A Beatificação da Princesa Isabel e a desqualificação do passado monárquico brasileiro
Há 3 dias publiquei uma postagem:
A polêmica sobre a beatificação da Princesa Isabel e a Lei de Gerson
Recebi de Felipe Ferreira Klein o comentário que publiquei abaixo da referida postagem:
"Quando você diz "SÓ QUE ISTO É UMA MÃO DE DUAS VIAS! OS AGNÓSTICOS, ATEUS, EVANGÉLICOS, PROTESTANTES, ADVENTISTAS, KARDECISTAS, UMBANDISTAS E JORNALISTAS NÃO TÊM NADA QUE SE METER COM AS DECISÕES INTERNAS DO VATICANO A RESPEITO DE BEATIFICAÇÕES. O VATICANO É E SEMPRE FOI SOBERANO", você dá entender que qualquer não-católico não tem o direito de se manifestar sobre isso. Não estão se interferindo, apenas dando sua opinião, que inevitavelmente virá de uma base ideológica. Apoio o fato de que esta decisão cabe apenas à Igreja Católica, mas não nos esqueçamos de uma das coisas que D. Pedro II tanto respeitou, a liberdade de pensamento. Acredito que não podemos dizer que os contrários à isto não detêm o direito de dar sua opinião sobre o caso ou que a opinião deles simplesmente é ridícula, é apenas outra opinião (está errada, mas ainda sim não pode ser apontada como ridícula). Se passarmos a militar para tentar calar a boca de qualquer um que fale mal da monarquia, estaríamos fazendo algo em A polêmica sobre a beatificação da Princesa Isabel e a Lei de Gerson:
Bem, excelente oportunidade para um aprofundamento da questão. Em 2010 publiquei em outro blog 2010 o texto:
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COMO A REPÚBLICA DESQUALIFICA O PASSADO MONÁRQUICO BRASILEIRO (o título é meu)
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COMO A REPÚBLICA DESQUALIFICA O PASSADO MONÁRQUICO BRASILEIRO (o título é meu)
Em entrevista a Pedro Paulo Sanches, (IG – Último Segundo - especial) Laurentino Gomes elucida vários pontos sobre a memória histórica brasileira, entre eles:
"Os brasileiros acham que D. Pedro I, depois de abdicar do trono evaporou no ar. Não: ele voltou para Portugal para enfrentar o irmão numa guerra e venceu, tendo tudo contra: 7 mil soldados, enquanto o irmão tinha 80 mil. Revelou-se um general brilhante, que passava as noites nas trincheiras ao lado dos soldados. Morreu em seguida, porque a guerra contra o irmão destruiu a sua saúde. Passou para a história de uma forma meio pejorativa, como se fosse apenas boêmio e autoritário. Em parte era, mas foi também um grande transformador do Brasil e de Portugal. Outorgou ao Brasil em 1824 uma das Constituições mais liberais do mundo na época.
Mas existe um esforço de desqualificação da história. E não é recente: o livro de Paulo Setúbal, “As Maluquices do Imperador” (de 1927), já tinha esse viés de desqualificar o passado. Dom Pedro tinha defeitos, como todos os seres humanos, mas é um príncipe que fez nossa Independência aos 23 anos, governou o Brasil em meio a uma crise pavorosa, e depois voltou a Portugal e recuperou o trono que o irmão tinha usurpado.
Mas houve uma ruptura fortíssima no processo político, que é a Proclamação da República. Isso só aconteceu no Brasil. Nos outros países da América, os “pais da pátria” são os mesmos, fizeram a independência e criaram a república. No Brasil, não. Durante 77 anos houve uma monarquia que celebrava seus heróis, e aí vem uma república que rompe com esse modelo. Ela precisa se legitimar, então o que faz? Desqualifica o período anterior. Todos os heróis da monarquia são desqualificados de propósito pela república. Dom João VI vira um bobalhão comedor de franguinhos, Dom Pedro é um sujeito devasso. E aí começa outra construção mitológica, republicana. Acham um sujeito chamado Tiradentes, que passa mais de 100 anos incógnito na história do Brasil, porque tinha sido executado pela monarquia. É uma construção muito bem-sucedida, apela ao imaginário religioso do povo, associando Tiradentes a Jesus Cristo.
É preciso entender as condições adversas enfrentadas por Dom João VI quando chega e cria o Estado brasileiro: havia apenas uma pequena elite ilustrada, e uma grande “geleia geral” constituída por escravos, analfabetos, pobres, mestiços, índios, mulatos, gente completamente despreparada e à margem de qualquer oportunidade.
Mas esse espírito de “viralatismo” do Brasil de hoje se projeta na história também: nossos heróis são “vira-latas”, nossa origem portuguesa é “vira-lata”. É como se a colonização portuguesa fosse pior que a média das outras colonizações, o que é tolice, porque colonização é colonização em qualquer lugar do mundo. Há no passado grandes virtudes, por isso a chamada de capa do “1822” é: “como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram Dom Pedro I a criar o Brasil, um país que tinha tudo para dar errado”. Aí você vira para a contracapa: “…e no entanto deu certo”. O país podia ter se inviabilizado na independência, a chance de dar errado era muito maior do que de dar certo.
Não dá para dizer que a culpa da corrupção é de Portugal, é só o que faltava, estamos conduzindo este país há 200 anos e vamos dizer que o culpado é português? Também não é verdade que a origem colonial defina de modo automático o sucesso ou o fracasso de um país. A África do Sul foi colonizada por ingleses e holandeses e deu no país mais racista do mundo. O Haiti, colonizado por franceses, é hoje o país mais pobre do mundo. Congo, colonizado por belgas, está mergulhado em guerra civil, mesma coisa da Etiópia e da Somália, que foram colonizadas por italianos. É essa síndrome do “viralatismo” que faz com que Portugal “pague o pato”.
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