domingo, 18 de junho de 2017

Delcídio, Aécio e as violências de Janot. Se senador for preso, Senado dirá se merece existir


Mineiro está sendo acusado de obstrução por simplesmente ter exercido o mandato; sim, prisão de petista, que foi bem cassado, constituiu uma ilegalidade escandalosa

Por: Reinaldo Azevedo

Publicada: 17/06/2017 - 23:02

Senado vazio: a depender do que aconteça com Aécio, Casa vai dizer se merece ou não que aquelas cadeiras sejam preenchidas

Atenção, meus caros! Sob o pretexto de caçar e cassar bandidos, há gente querendo inaugurar o terror jurídico no país. A coisa é assombrosa. Qual é mesmo a minha distinção entre o fascismo de direita ou de esquerda e o pensamento liberal, a direita democrática? Esta: fascistas de esquerda e de direita aceitam que se viole a legalidade para promover o que consideram justiça. Um liberal sabe que um só ato como esse multiplica ao infinito a chance de novos crimes — cometidos, no caso, por justiceiros.

Leitores me perguntam se a Procuradoria-Geral da República pediu as respectivas prisões de Delcidio do Amaral (à época, senador) e de Aécio Neves pelos mesmos motivos. Sim e não! Ambos são acusados de “obstrução da justiça” — na verdade, o crime que existe é obstrução da investigação. Desde logo, noto: a prisão de Delcídio foi ilegal. Mesmo os bons do Supremo votaram com o fígado. Afinal, em suas fanfarronices, o petista sugeria que tinha nas mãos alguns ministros da Casa. A unanimidade em favor de sua prisão foi uma resposta: “Ele estava mentindo”.

Notem: Delcídio, que já estava sendo gravado — e quem o fazia, o filho de Néstor Cerveró, vai dando corda para a conversa —, falava como quem estivesse, de fato, tentando obstruir a investigação. Todos os atos aos quais se refere, viáveis ou não, realizados ou não (até uma mirabolante fuga de Cerveró), buscavam impedir que o ex-diretor da Petrobras fizesse a delação premiada. Bem, definitivamente, ele não estava fazendo algo que seja próprio ao mandato, não é mesmo? Mas sua prisão foi inconstitucional. E o Senado fez mal em enfiar o rabo entre as pernas. O problema seria o alarido, certo? Já volto ao ponto.

E no caso de Aécio? Bem, aí a coisa atinge o ápice do ridículo. Janot não que prender o senador por causa do pedido de R$ 2 milhões a Joesley. Isso lhe renderá a acusação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a exemplo de dezenas de congressistas. O procurador-geral quer prender Aécio porque diz que ele também tentou obstruir a justiça (a investigação). E quais são as evidências disso?

Ora, ele se articulou para aprovar o projeto que muda a lei que pune abuso de autoridade e, acusa Janot, tentava articular “a anistia ao caixa dois”. Um procurador com um pouco de pudor nem empregaria tal expressão porque não se pode anistiar o que não é crime. Aécio debatia com seus pares a possibilidade de estabelecer a diferença legal entre caixa dois com contrapartida, o que caracteriza corrupção passiva, e sem contrapartida. O próprio Janot admitiu que são coisas distintas.

Ora, o sr. procurador-geral está chamando de “obstrução da Justiça (investigação)” um conjunto de ações próprias a um parlamentar. Sim, ele e seus menudos assanhados e corados podem não gostar da agenda. E daí? A acusação é acintosa.

“Fachinada”
Fachin deu uma de suas “fachinadas”. Houve por bem não mandar prender o senador porque, afinal, existe o Parágrafo 2º do Artigo 53 da Constituição, segundo o qual um parlamentar só pode ser preso em flagrante de crime inafiançável. E, ainda assim, a Câmara (se deputado) ou o Senado (se senador) decidirá se a prisão será mantida.

Ora, se não mandou prender o senador em razão do mandamento constitucional — e Fachin o admite —, então a ordem para que se afaste do mandato é um despropósito porque se trata de uma medida cautelar, prevista no Artigo 319 do Código de Processo Penal, alternativa à prisão. Como a prisão não era uma possibilidade, então não se cuida de aplicar uma ação que a substitua.

É o lógico. É o elementar. É o evidente.

Dias perigosos
Acontece que estamos vivendo dias um tanto perigosos. Todas as transgressões legais que a esquerda sempre defendeu como princípio e como método estão hoje em curso numa Procuradoria e em tribunais que não passaram incólumes pelos 13 anos de depredação da ordem legal promovida pelo PT — e que se voltou, num dado momento, até contra o partido e seu líder maior. Mas, como resta evidente, Joesley veio corrigir isso tudo, não é? Afinal, o açougueiro de casaca nos diz, na estupefaciente entrevista à revista “Época”, que o verdadeiro Lula do Brasil é Michel Temer. E que o verdadeiro PT é o PMDB, secundado pelo PSDB.

E setores da direita, insuflados pela sanha militante dos veículos das Organizações Globo, caem na conversa como uns patos. Como coadjuvantes virulentos, há os especuladores disfarçados de jornalistas.

Tinha lido, a seu tempo, a petição da PGR para a prisão de Delcídio. Mas um trecho escandaloso havia me passado em brancas nuvens. É impressionante que o Supremo tenha concordado com ela e ainda mais chocante que o Senado tenha dito “sim” (mas eu explico os motivos). Abaixo, transcrevo um trecho. A própria procuradoria admite:
– não existe flagrante contra o senador;
– o crime de que é acusado não é inafiançável;
– e ele, pois, segundo a letra da lei, não poder preso.

E como prender ainda assim. A Procuradoria responde desta maneira, prestem muita atenção!, e o tribunal concordou por unanimidade:

Prisão preventiva do Senador Delcídio Amaral

O art. 53, § 2º, da Constituição da República proíbe a prisão de congressista, salvo em caso de flagrante de crime inafiançável. A regra prevista no dispositivo é, aparentemente, absoluta, e a exceção, limitadíssima. Com efeito, a prisão cautelar não é cabível, na literalidade do dispositivo, em nenhuma de suas modalidades, nem mesmo com a elevada garantia do foro especial por prerrogativa de função. Por sua vez, a prisão em flagrante, além de fortuita, por depender da presença da autoridade no local e no momento do crime, ou logo após, somente é cabível em se tratando de crime inafiançável – a atual redação do Código de Processo Penal tornou afiançáveis, in genere, todos os crimes, permanecendo apenas a inafiançabilidade dos crimes hediondos e equiparados, porque de extração constitucional. O tom absolutista do preceito proibitivo de prisão cautelar do art. 53, § 2º, da Constituição da República não se coaduna com o modo de ser do próprio sistema constitucional: SE NÃO SÃO ABSOLUTOS SEQUER OS DIREITOS FUNDAMENTAIS, NÃO FAZ SENTIDO QUE SEJA ABSOLUTA A PRERROGATIVA PARLAMENTAR DE IMUNIDADE À PRISÃO CAUTELAR.

Essa prerrogativa, embora institucional, é de fruição estritamente individual e, lida em sua literalidade, assume, na normalidade democrática do constitucionalismo brasileiro, coloração perigosamente próxima de um privilégio odioso. O direito comparado corrobora a percepção de que a cunhagem dessa prerrogativa no constitucionalismo brasileiro merece exegese corretiva.”

Retomo
Ainda voltarei a este tema. Mas peço que observem: se o que vai acima em maiúsculas for tomado como norte conceitual, não existem mais garantias constitucionais e legais. Estaremos todos à mercê do Estado-patrão, que, por um de seus entes, dirá quando vai e quando não vai respeitar nossos direitos, já que, como é mesmo?, “não são absolutos sequer (O CERTO É “NEM SEQUER”, JANOT!) os direitos fundamentais”.

É uma picaretagem retórica, uma sem-vergonhice teórica. Ora, quais são os nossos “direitos fundamentais”? São aqueles assegurados pelo Artigo 5º da Constituição. Não são passiveis de mudança nem por emenda constitucional. Vamos ver: um deles é a liberdade de expressão. Vedado o anonimato, ela é absoluta, sim, até o momento em que fira outra bem igualmente protegido. A liberdade de expressão garante a licença para caluniar? Não! Se isso acontecer, a pessoa está sujeita a um processo. Só por isso se diz, então, não ser um direito “absoluto”.

Ora, o fato de um parlamentar só poder ser preso em flagrante de crime inafiançável — antes da condenação transitada em julgado — não é um “direito absoluto”, apenas uma cautela. Seria absoluto se, por isso, fosse franqueado ao dito-cujo cometer toda sorte de crimes, sem qualquer risco de processo ou punição. E isso é mentira, como se sabe. Os parlamentares podem ser punidos em razão de ações movidas pelo Ministério Público e também por seus pares.

Aquele troço no pedido de prisão de Delcídio está entre as coisas mais energúmenas escritas por Rodrigo Janot. A comparação que ele faz entre a prerrogativa e os direitos fundamentais é asnal, para ser simpático, coisa típica de quem exerce o direito de forma trôpega, já bêbado de tanto poder.

Um pouco de história
Infelizmente, o pleno do Supremo concordou com a prisão, e o Senado a endossou. Atenção! Delcídio merecia, sim, a cassação. Mas a prisão foi uma estúpida ilegalidade com a qual concordou, se querem saber, um Supremo que estava sob certa chantagem.

Teori Zavascki ficou sabendo que já se tinha organizado um megavazamento do material que estava com o Ministério Público Federal. O objetivo? Constranger, sim, senhores!, ministros do Supremo que eram citados pelo então senador como gente sob sua influência. É bom, alias, que vocês jamais se esqueçam disto: hoje, parlamentares e juízes vivem com uma espada sobre a cabeça. A qualquer momento, pode-se pinçar uma fala em depoimento ou um grampo para atingir aqueles que são considerados adversários.

Foi o que fizeram comigo, certo? Foi o que fez Janot com Gilmar Mendes. Uma das evidências de que o senador estaria obstruindo a investigação é uma conversa de Aécio com o ministro que nada tem de especial. O recado é um só: “Não ousem discordar ou resistir, ou a retaliação é certa”.

Encerro
Chegou a hora de o Congresso dizer se está ou não de pé. O pedido de prisão de Aécio é tão absurdo que, suponho, será rejeitado até mesmo pela Primeira Turma, onde brilham solipsistas do direito como Roberto Barroso e Rosa Weber. Se, no entanto, triunfar o despropósito e, mais uma vez, o Parágrafo 2º do Artigo 53 da Constituição for desrespeitado, só restará ao Senado, se não quiser ficar de joelhos, reverter a decisão.

Ou Janot vai acusar de obstrução da Justiça quem decidir seguir um mandamento constitucional, sob o pretexto de que não há direito absoluto?

PS: Vejo um monte de conservador trouxa entrando na pilha das Organizações Globo. Pois é… É bom torcer para que o poder não caia nas mãos de adversários que não têm lá grande apreço pela democracia, a exemplo de vocês, né? Já se pensaram no banco dos réus, com a cabeça à prêmio, vítimas de sua própria concepção de mundo?

"Blogger Reinaldo Azevedo"

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