domingo, 11 de junho de 2017

Crise no Rio seria resolvida se cidade virasse segunda capital, diz pesquisador


Por Sérgio Rodas

A origem da crise econômica do Rio de Janeiro está na mudança da capital para Brasília, em 1960. Porém, como o Rio ainda é a cidade símbolo do país, a única verdadeiramente nacional, a saída mais eficaz desse cenário de amargura seria elevá-la à condição de segundo Distrito Federal, destinando-lhe não só tributos municipais, mas também estaduais. Dessa maneira, o Brasil teria duas capitais, tal como Holanda, Chile e Coreia do Sul.

Quem defende essa medida é Christian Edward Cyril Lynch, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. No artigo Questão de Urgência Nacional – O Rio como (2º) Distrito Federal, publicado na edição 76 da revista Insight Inteligência, ele apresenta uma proposta de emenda constitucional para concretizar o plano.

De acordo com a PEC, o artigo 18, parágrafo 1º, da Constituição seria alterado para afirmar que “Brasília e Rio de Janeiro são as Capitais Federais”. Assim, o Rio passaria a concentrar as competências legislativas de estados e municípios, como fixa o artigo 32, parágrafo 1º, da Carta Magna.

Isso quer dizer que a cidade do Rio receberia não só tributos municipais, como ISS, IPTU e ITBI, mas também estaduais, que nem ICMS, IPVA e ITCMD. Adicionalmente, a União arcaria com o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, as polícias Civil e Militar e os bombeiros da segunda capital, como faz com Brasília, de acordo com o artigo 21, incisos XIII e XIV, da Constituição. Ainda, o governo federal constituiria fundo para o Rio executar serviços públicos, como saúde e educação.

Para não sufocar municípios da Baixada Fluminense que vivem de transferências da capital, Lynch sugere que cidades como Itaguaí, Seropédica, Japeri, Queimados, Nova Iguaçu, Nilópolis, Mesquita, Belfort Roxo, São João de Meriti e Duque de Caxias fossem incorporadas ao segundo Distrito Federal. Mesmo sem sua atual sede, o estado do Rio de Janeiro se manteria sem dificuldades, pois, atualmente, já não depende das verbas da cidade, argumenta o professor.

Além disso, seria inserido o artigo 115 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, atribuindo à lei complementar o papel de disciplinar a criação do Distrito Federal do Rio de Janeiro. Tal norma, segundo a proposta de Lynch, trataria da transferência e repartição de bens, servidores, direitos e obrigações, incluindo dívidas, entre o estado do Rio de Janeiro e o novo Distrito Federal do Rio, que sucederia o município homônimo. E mais: a lei complementar criaria mecanismos de compensação e de auxílio para a reinstalação do governo fluminense em Niterói.

O parágrafo 1º do artigo 115 do ADCT ainda determina que os atuais prefeito e vereadores da cidade do Rio de Janeiro assumirão automaticamente os cargos de governador e deputados distritais do segundo Distrito Federal, respectivamente.

Apoio 

Christian Lynch disse à ConJur que, desde a publicação do artigo, vem sendo procurado por deputados, vereadores, integrantes de associações de comércio e indústria e intelectuais interessados em apoiar a ideia.

“Trata-se de gente que vê na proposta a possibilidade de uma solução definitiva para a crise em que o estado do Rio se debate desde que a ditadura militar consolidou a mudança da capital. Mas também se vê nela uma oportunidade de reestruturação da República, diante da grave crise que atravessamos, operando uma espécie de separação de Poderes também no nível geográfico.”

Conforme a proposta de Lynch, 8 dos 22 ministérios voltariam para o Rio. São eles: Saúde; Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações; Cultura; Planejamento; Minas e Energia; Esporte; Turismo; Defesa (Marinha) e Relações Exteriores. A seleção levou em conta o número de entidades desses órgãos com sede na antiga capital e a maior ligação de certas pastas com a cidade, em comparação a Brasília.

O professor igualmente defende que o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior Eleitoral e o Tribunal Superior do Trabalho retornem ao Rio de Janeiro. A seu ver, a transferência diminuiria a influência da política nos julgamentos de tais cortes.

“O Plano-Piloto [em Brasília] possui uma população menor do que de Copacabana [no Rio], e é impossível sair de casa para ir ao shopping, restaurante, clube ou cinema sem topar com senadores, deputados, assessores e altos funcionários públicos. A tentação do favorecimento, das trocas de favores é imensa, e poucos resistem a ela. Na falta de uma sociedade civil forte no entorno do centro decisório do poder nacional, o ambiente de politicagem, arranjos e corporativismo fatalmente afeta o cotidiano dos juízes e seus julgamentos”, disse.

O ministro do STF Março Aurélio discorda dessa análise. Segundo o vice-decano do Supremo, “nenhum julgamento é político”. “Os problemas do Brasil não estão na localização dos tribunais superiores. Os problemas são culturais e éticos. Mas o período que vivemos é de esperança”, declarou à ConJur.

Outro benefício da mudança, aos olhos de Lynch, seria a aproximação de uma “comunidade jurídica poderosa, densa, estabelecida, capaz de lhes [aos ministros dos tribunais superiores] fornecer uma convivência intelectual mais direta e intensa, que eles simplesmente não têm em Brasília”. Afinal, o Rio possui mais advogados, faculdades de Direito e editoras forenses, destaca.

No entanto, a transferência das cortes superiores poderia aumentar a influência da opinião pública nos julgamentos delas, ressalta uma advogada ouvida pela ConJur. E tal fator de pressão costuma provocar arbitrariedades, especialmente em casos criminais. Uma crítica frequente à operação “lava jato” é que a torcida pela condenação dos corruptos faz com que magistrados, com medo da opinião pública, rebaixem o direito de defesa dos acusados.

Marco Aurélio igualmente refuta que os ministros seriam mais influenciados pela sociedade no Rio do que em Brasília. “Magistrado não está sujeito a pressão, pois ocupa cadeira vitalícia.”

Transferência sem compensações

O Rio de Janeiro foi capital do Brasil por 197 anos: de 1763, quando recebeu o bastão de Salvador, até 1960, quando o repassou à recém-inaugurada Brasília. Durante todo esse período, o governo federal investiu na cidade como se ela fosse manter esse status definitivamente, diz Lynch, embora as Constituições de 1891, 1934 e 1946 previssem “liricamente” a construção de uma nova capital no interior do país.

Mas a nova sede da União deixou de ser poesia com Juscelino Kubitschek. Para convencer o mundo político e a população, o novo presidente apresentou argumentos que agradassem a todos os estratos sociais, destaca o professor da Uerj. A ideia de desenvolver o interior do país visava a esquerda. A de proteger melhor a nação de uma eventual invasão buscava cativar os militares.

"As razões de fundo, porém, eram as mesmas de sempre e calavam fundo no seu próprio partido, o conservador Partido Social Democrático: era preciso subtrair o governo federal da pressão do 'populismo' da capital federal, ao qual Juscelino, político mineiro e afeito aos métodos tradicionais, tinha verdadeira alergia", avalia Christian Lynch.

Ele também destaca que, com a transferência, Juscelino buscava atrair a simpatia de estados do Norte e Centro-Oeste, além de consolidar sua popularidade em Minas Gerais. A forma de obter apoio de São Paulo, onde não era popular, foi prometer que o primeiro polo automobilístico do país seria instalado lá, e não no Rio.

No início dos anos 1960, o Brasil conviveu, efetivamente, com duas capitais. Embora o Legislativo e o Judiciário tivessem logo de cara se mudado para Brasília, o Executivo permanecia no Rio. O golpe de 1964 e a consequente ascensão dos militares ao poder mudaram isso. Visando fugir dos protestos populares, o artigo 183 da Constituição de 1967 previu a edição de lei regulamentando a mudança definitiva do governo para Goiás. E isso ocorreu na gestão Médici (1969-1974).

Só que os impactos financeiros da perda do status de capital pelo Rio foram subestimados, conta Lynch. Na época, acreditava-se que a cidade (até então, a maior do país) funcionaria como segunda capital, sem precisar de ajuda da União. Por isso, a Lei San Tiago Dantas (Lei 3.752/1960), que determinou a conversão do antigo Distrito Federal em estado da Guanabara, cortou o subsídio federal para sustento da Justiça e segurança pública da recém-fundada unidade federativa, a única cidade-Estado do Brasil. Tampouco foi destinada à região qualquer espécie de indenização por deixar de abrigar a sede do governo brasileiro.

Naturalmente, o Rio se enfraqueceu, enquanto São Paulo, turbinado pela indústria automobilística, aumentava sua musculatura. Preocupado com o protagonismo paulista, o regime militar decidiu fortalecer o Rio de Janeiro e Minas Gerais. Este estado ganhou, então, o segundo polo metalmecânico do país. Quanto ao primeiro, a solução foi fundir o empobrecido estado do Rio com a decadente Guanabara, fragilizando as duas regiões. Tal medida ocorreu com base apenas na opinião do presidente Geisel, cita Lynch.

“Em 15 anos, a cidade do Rio, de Distrito Federal, descera à condição de estado para terminar como ‘um município como outro qualquer’. Pela segunda vez, a União não indenizava a região fluminense pelas decisões que lhe impunham e comprometiam o seu futuro. Tal qual se passara com a criação do estado da Guanabara, a lei complementar que regulou a fusão não concedeu qualquer compensação ou indenização a nenhum dos lados. Houve fartas promessas de investimentos, naturalmente descumpridas.”

Ao mesmo tempo, a ditadura buscava apagar os símbolos da “capitalidade” do Rio. Isso foi feito, segundo o professor da Uerj, com a demolição do Palácio Monroe, antiga casa do Senado, e da sede do Ministério da Agricultura.

Esses movimentos também afastaram, com o passar dos anos, o cerne dos mercados financeiro e de capitais e as sedes de grandes empresas, especialmente as multinacionais.

Política nacional

Para dificultar a situação, o fato de ter sido capital do país por quase dois séculos fez com que os políticos do Rio de Janeiro tivessem uma visão nacional, deixando de lado o desenvolvimento regional, diz Christian Lynch.

“A cidade viu seus interesses serem atendidos sempre subordinados à função maior da nação. Da mesma forma, centro da política nacional, não precisando disputar investimentos com os estados, o Rio pôde se dar ao luxo de desenvolver uma cultura política nacional, centrada exclusivamente na ‘luta ideológica’”, argumenta o pesquisador.

A perda do status de capital deveria fazer com que o Rio deixasse de se comportar como o centro do Brasil. Mas não foi isso que aconteceu, afirma.

“Seus deputados continuaram deixando de lado os interesses estaduais em prol dos nacionais, ou a fazer a mais miserável das políticas de clientela local. Seus governadores continuaram a oscilar entre dois papéis básicos: ou o de ‘opositor radical e candidato à Presidência’, inaugurado por Lacerda e seguido por Brizola e Garotinho, ou o de ‘prefeito nomeado’, retomado por Chagas Freitas e seguido por Moreira Franco, Marcello Alencar e Sérgio Cabral.”

Há outro fator, entretanto, que justifica a mentalidade de centro do país no Rio: o fato de a cidade continuar “a ser um Distrito Federal disfarçado de capital de estado”, conforme Lynch. Afinal, a União, com 1.200 imóveis, é a maior proprietária da cidade, onde também concentra o maior número de seus funcionários civis: 250 mil, contra 170 mil de Brasília. Além disso, a cidade possui 64 sedes de órgãos federais, oito vezes mais do que a segunda capital estadual no ranking, Recife, que tem oito, e apenas atrás da capital nacional (118).

E mais: o Rio de Janeiro tem mais servidores federais do que estaduais. Nesse sentido, seu perfil é idêntico ao do Distrito Federal e bem diferente de estados como Minas Gerais ou São Paulo. Esta unidade federativa, por exemplo, tem cinco empregados estaduais para cada trabalhador da União.

Duas cabeças

Diante desse quadro, a melhor solução para trazer os dias de glória de volta ao Rio, na visão de Christian Lynch, seria tornar a cidade a segunda capital do Brasil. A solução não é extravagante e existe em diversos países. No Chile, Santiago sedia o Executivo e o Judiciário, enquanto Valparaíso é a casa do Legislativo. Na Holanda, Amsterdã abriga a monarquia, ao passo que Haia cuida da administração. A dinâmica se repete na África do Sul (Bloemfontein, Cidade do Cabo e Pretória), na Bolívia (La Paz e Sucre) e na Coreia do Sul (Seul e Sejong), entre outras nações.

Também existem países que, na prática, têm duas capitais, embora não formalmente. Percebendo os danos que São Petersburgo sofreu após perder a sede do governo para Moscou em 1918, a Rússia recentemente atribuiu àquela cidade o status de “região de interesse federal” e transferiu para lá a Corte Constitucional e a Corte Suprema Federal.

Na Alemanha, Bonn deixou de ser a casa do governo com a reunificação do país, em 1989 — a capital virou Berlim. Todavia, a cidade ficou com dois quintos da administração federal e passou a receber uma indenização anual de 1,5 bilhão de euros. A crença de que a independência do Judiciário depende da distância dos políticos ainda fez com que as duas principais cortes da nação, o Tribunal Constitucional Federal e a Corte Federal de Justiça, fossem instalados em Karlsruhe — fazendo com que, na realidade, a Alemanha tenha três capitais, nas palavras de Lynch.

"CONJUR"

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