Essa foi uma grande
transformação na forma de deliberação dos senadores, mas não a
1ª. Documentos históricos guardados no Arquivo do Senado, em
Brasília, mostram que houve uma evolução no voto parlamentar ao
longo dos últimos 2 séculos. Quando o Senado foi criado, em 1826,
os senadores vitalícios do Império escreviam seus votos no papel e
depositavam as cédulas em elegantes urnas de prata.
Eram duas urnas em
forma de cálice, com 40 cm de altura, ornadas com imagens em
alto-relevo. Elas aparecem no quadro do pintor Victor Meirelles que
retrata a princesa Isabel no Senado em 1871, prestando juramento ao
assumir a regência pela 1ª vez. Hoje as urnas de prata estão
expostas no Museu do Senado e são as peças mais antigas do acervo.
Na época das urnas
de prata, as votações costumavam ser demoradas. Antes de tudo, o
presidente do Senado fazia a chamada, para saber quais senadores
estavam presentes. Em seguida, ele destampava as urnas para mostrar
que estavam vazias. Depois, os senadores, 1 a 1, eram chamados à
mesa do presidente para depositar o papel. Ele, então, retirava
todas as cédulas das urnas e as contava, para verificar se o número
de votos batia com o de senadores presentes. Por fim, procedia à
apuração.
Em 7 de abril de
1831, dia da turbulenta abdicação de dom Pedro 1º, os senadores e
deputados correram ao Senado para escolher os 3 regentes que
governariam o Brasil provisoriamente. Dom Pedro 2º, uma criança de
5 anos, ainda não podia assumir o trono. Decidiu-se que os titulares
da Regência Trina Provisória seriam eleitos em votações
separadas, não em bloco. Prevendo que o processo iria durar uma
eternidade, o deputado José de Alencar (CE) se afligiu. Ele (que era
pai do escritor José de Alencar) pediu que encurtassem o protocolo e
acelerassem a votação, pois o futuro do Império corria risco nesse
delicado momento de vácuo de poder:
“Senhores, não
estejamos a perder tempo. Se, para nomear aqueles que hão de dirigir
os negócios da nação, havemos de gastar 1 dia inteiro, o que será
de nós? Não temos Poder Executivo. Estamos em perfeita segurança?
Não, não estamos. Por toda parte, nos cercam vulcões que de 1
momento a outro podem abrir-se para devorar-nos. Quem sabe o que
estão tramando os nossos inimigos? Não durmamos. Estamos sem 1
poder ativo. Para o conseguirmos o quanto antes, prescindamos de
tantas formalidades que nada influem e tratemos de nomear
[rapidamente] 1 governo que nos preste segurança.”
O pedido do deputado
Alencar para simplificar a votação foi ignorado. Cada 1 dos 3
regentes foi mesmo escolhido separadamente, em 1 arrastado processo
eleitoral. Na vez do 2º regente, para desespero de Alencar, os
senadores e deputados ainda tiveram que refazer todo o ritual. Isso
ocorreu depois de se constatar que, enquanto o Plenário tinha 58
parlamentares, as urnas de prata guardavam 59 cédulas. O mais
provável é que, por descuido, uma cédula da votação anterior
tenha ficado numa das urnas.
© Biblioteca
Nacional Digital (via Agência Senado) Reportagem do Correio da Manhã
cita as urnas de prata do Senado em 1916
As regras de votação
logo mudaram. Ainda no Império, os senadores deixaram de levar a
cédula à mesa, 1 de cada vez, depois de seus nomes serem
pronunciados. Em vez disso, funcionários passaram a percorrer o
Plenário com as urnas de prata nos braços, para que os
parlamentares votassem sem deixar seus lugares. Como alguns dos
senadores vitalícios eram idosos e caminhavam com dificuldade, a
mudança agilizou as deliberações.
Outra novidade veio
em 1903, já na República. O Senado adotou bolinhas nas votações,
semelhantes às de bingo. Cada senador recebia duas pequenas esferas
de marfim ou madeira — uma branca e outra preta. Para votar “sim”,
depositava-se a bolinha branca na urna de prata. Para “não”,
depositava-se a preta. A medida também acelerou o processo, uma vez
que não era mais necessário anotar voto nem abrir cédula. Era 1
método que a Câmara dos Deputados, com muito mais parlamentares que
o Senado, adotava desde o Império. No entanto, as bolinhas de “não”
e “sim” não podiam ser utilizadas quando a votação era para
escolher os integrantes das comissões temáticas, por exemplo. Em
casos assim, tanto no Senado quanto na Câmara, recorria-se ao velho
voto de papel.
Em meio ao surto de
industrialização promovido pelo governo Juscelino Kubitschek, o
Senado também cedeu à tecnologia. Em 1958, o Plenário ganhou 1
sistema elétrico de votação. Em cada assento, instalou-se uma
gavetinha na qual o senador introduzia a mão e apertava 1 de 3
botões —“sim”, “não” e “abstenção”. Assim que o
presidente encerrava a votação, os números surgiam imediatamente
em 1 placar luminoso. Para impedir que votassem em seu lugar, cada
senador tinha uma chave para trancar sua gavetinha.
© Arquivo do Senado
e Marcos Oliveira/Agência Senado O placar e os botões do sistema
elétrico de votação adotados pelo Senado em 1958
O senador Gilberto
Marinho (PSD-DF) foi o relator do projeto que instituiu a votação
elétrica no Senado. Ele pediu que os colegas aprovassem a medida e,
para tranquilizá-los, frisou que a novidade não sepultaria os
métodos tradicionais, mas conviveria com eles. “Com tal ressalva,
previne-se uma possível e indesejável falha de continuidade nas
votações, o que se verificaria com a adoção pura e simples do
novo método”, ele escreveu.
A preocupação de
Marinho não era exagerada. Várias vezes, de fato, a tecnologia
deixaria os senadores na mão. Nos documentos do Arquivo do Senado,
há referências a votações que, em cima da hora, precisaram ser
feitas com cédulas depois de o sistema elétrico pifar. Nesses
imprevistos, recorria-se a urnas de madeira, já que as urnas de
prata do Império haviam sido aposentadas no fim da década de 1920.
As gavetinhas com os
3 botões também podem ser vistas hoje no Museu do Senado, que
conserva os assentos de madeira ocupados pelos senadores na época em
que a sede da Casa era o Palácio Monroe, no Rio de Janeiro.
Em 1971, o
presidente do Senado, Petrônio Portella (Arena-PI), abriu uma das
sessões plenárias convidando os colegas a conhecer uma maravilha
chamada “computador eletrônico”:
“Senhores
senadores, na parte posterior do Plenário, encontra-se 1 terminal de
computador eletrônico, assistido por funcionários de uma firma
dentre as muitas interessadas na concorrência que o Senado vem de
abrir, integrando 1 complexo de medidas de reformas de nossa Casa.
Convidaria os senhores senadores a assistir às demonstrações que
serão feitas hoje, entre as 17h30 e as 20h.”
No ano seguinte, o
Senado inaugurou o Prodasen, departamento encarregado de informatizar
as atividades legislativas, e tornou-se uma das primeiras casas
legislativas do mundo a entrar na era da computação. Ainda em 1972,
implantou o sistema eletrônico de votação. No Plenário, os
senadores continuaram escolhendo entre os botões “sim”, “não”
e “abstenção”. A diferença é que os votos, em vez de irem
diretamente para o placar, passaram a ser processados por 1 imenso
aparelho da 1ª geração de computadores, feito de válvulas.
O processamento dos
dados abriu novas possibilidades. Todas as votações foram
automaticamente arquivadas, permitindo que fossem consultadas por
qualquer pessoa nos terminais que o Prodasen instalou no Senado. Até
então, quem desejava verificar a votação de algum projeto
precisava encomendar a informação a uma repartição específica,
que vasculhava seus arquivos e providenciava uma ficha com os dados
solicitados.
Com o novo sistema,
o placar de números foi trocado por 1 painel que trazia o nome de
todos os senadores, permitindo identificar a posição de cada 1 nas
votações que não fossem secretas. Foi nessa mesma época que a
Bolsa de Valores de São Paulo e os principais aeroportos do Brasil
começaram a adotar painéis eletrônicos.
Em 1987 e 1988, a
tecnologia implantada pelo Senado foi fundamental para a agilidade
dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, composta de 72
senadores e 487 deputados federais.
“Na Constituinte,
se não tivéssemos o sistema eletrônico, estaríamos perdidos. Cada
votação no Plenário, com mais de 500 parlamentares, duraria uma
eternidade”, afirma Nerione Nunes Cardoso, secretário-geral da
Mesa do Senado durante toda a década de 1980 (secretário-geral da
Mesa é o funcionário que assessora diretamente o presidente da Casa
nas reuniões parlamentares).
“Com a votação
eletrônica, os parlamentares têm mais tempo para discutir, negociar
a aperfeiçoar os projetos da pauta de votação”, avalia Raimundo
Carreiro, que foi secretário-geral da Mesa entre 1995 e 2007 e
atualmente é ministro do TCU (Tribunal de Contas da União).
O sistema eletrônico
de votação sofreu várias mudanças nas últimas décadas, para
incorporar tecnologias, introduzir funcionalidades e reforçar a
segurança. No início da década de 2000, depois do escândalo da
violação do painel eletrônico, que revelou o voto de cada senador
numa deliberação que deveria ter sido secreta, o sistema passou por
uma profunda reformulação, atestada pela Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas), que o blindou contra fraudes.
Hoje, o senador pode
votar de qualquer assento do Plenário. O sistema o reconhece pela
impressão digital ou pela íris. O painel agora mostra a orientação
dos partidos para cada votação — o parlamentar não precisa mais
procurar o seu líder para conhecer a posição partidária. A
votação nas comissões temáticas também se tornou eletrônica.
Os senadores
deliberam por votação ostensiva ou secreta. Ambas podem ser feitas
pelo sistema eletrônico. Na ostensiva, o painel revela o voto de
cada senador. Na secreta, indica só os números do resultado final.
Quando o tema em
pauta não é polêmico, tem consenso e não exige votação secreta,
costuma-se dispensar o sistema eletrônico e adotar a votação
simbólica (tipo de votação ostensiva). O presidente do Senado diz:
“Os senadores que aprovam o projeto, permaneçam como se
encontram”. Não há registro individual de votos, e o resultado é
anunciado imediatamente. Pela agilidade, a votação simbólica é a
forma preferencial de deliberação desde os tempos do Império.
O novíssimo sistema
de votação virtual, adotado pelo Senado durante a pandemia de
coronavírus, começou a ser estudado em 2018, durante a greve
nacional dos caminhoneiros. O atual secretário-geral da Mesa, Luiz
Fernando Bandeira de Mello, entendeu que o sistema de transportes
poderia entrar em colapso por falta de combustível, impedindo que os
senadores chegassem a Brasília para as votações do Plenário, e
pediu ao Prodasen que pensasse em ferramentas de votação remota.
A ideia acabou
ficando em 2º plano quando a greve dos caminhoneiros acabou e foi
retomada assim que a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou
que o coronavírus havia adquirido proporções de pandemia, no mês
passado. Poucos dias depois, o novo sistema de deliberação já
estava pronto.
“O voto é a coisa
mais decisiva que há no Parlamento. É do voto que nascem as leis
que determinam os rumos da sociedade. O país não pode jamais ficar
sem o voto parlamentar”, afirma Guido Faria de Carvalho,
secretário-geral da Mesa do Senado de 1990 a 1993.
Depois da iniciativa
do Brasil, países como Equador, Polônia e Nova Zelândia recorreram
o trabalho legislativo virtual. O Senado, além de compartilhar sua
experiência com Parlamentos do exterior, vem capacitando Assembleias
Legislativas e Câmaras Municipais para que deputados estaduais e
vereadores deliberem de forma remota durante a pandemia. O STF
(Supremo Tribunal Federal) anunciou que seus ministros também farão
julgamentos à distância.
Em 1918, quando o
mundo viveu a pandemia de gripe espanhola, o Senado também manteve o
funcionamento, mas, diferentemente de hoje, com sessões presenciais.
Segundo documentos históricos do Arquivo do Senado, pelo menos 2
funcionários da Casa morreram. Na edição de 14 de outubro, o
jornal A Noite noticiou que não haviam comparecido ao Senado naquele
dia 10 datilógrafos, 6 contínuos, 5 serventes e até 1 senador,
Paulo de Frontin (DF) — todos acometidos pela gripe espanhola.
Bandeira de Mello
diz que as ferramentas virtuais não devem ser vistas como o futuro
das votações no Senado. Para o secretário-geral da Mesa, elas
devem ser utilizadas apenas em situações de emergência, como
períodos de guerra, catástrofe natural ou pandemia:
“As sessões
remotas são necessárias porque o Senado não pode parar em momentos
de crise e excepcionalidade, justamente quando a sociedade mais
precisa de medidas emergenciais do Parlamento. O uso desse
instrumento, no entanto, não deve ser banalizado. Embora moderno e
sofisticado, ele tem as limitações naturais impostas pela distância
física. Em tempos de normalidade, o contato pessoal e direto entre
os senadores é imprescindível para a boa deliberação parlamentar.
As sessões presenciais, por isso, nunca serão abandonadas.”
Fonte: Agência Senado
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