Para John Rodgerson, 'o modelo ‘low cost’ não funcionaria' no país agora. Em entrevista exclusiva, cita preço do combustível e alta judicialização. Ainda assim, prevê ampliação para 200 destinos
Perto de completar 15 anos, em 15 de dezembro, a Azul
Linhas Aéreas pretende ampliar de 160 para 200 o número de destinos no
Brasil em três anos, disse o seu CEO, John Rodgerson, em entrevista ao GLOBO.
Tendo Campinas (SP) como base, a caçula entre as três maiores companhias aéreas
do país começou voando para apenas três cidades. Atualmente, disputa mercado
com Gol e Latam, mas não com a mesma agressividade nas tarifas do começo.
O executivo admite que os preços das passagens aéreas no
país estão muito altos, mas argumenta que o modelo low cost (como
são chamadas as companhias de baixo custo lá fora) não funciona no Brasil. E
cita como razões custos operacionais elevados, câmbio desfavorável, combustível
que diz ser o mais caro do mundo e alta judicialização. “Quem sai perdendo é a
classe C”, decreta. Para Rodgerson, uma das formas de democratizar o acesso ao
avião é investir na infraestrutura de aeroportos, particularmente os regionais.
Sobre os problemas recentes em Congonhas (SP) — terminal
mais movimentado do país recém-assumido pela iniciativa privada, que parou três
vezes em uma só semana por causa de incidentes com aviões de pequeno porte —,
defende que os jatinhos executivos só possam operar na pista auxiliar (decisão
tomdada pela concessionária na sexta-feira) para evitar atrasos nos voos
comerciais. Quanto ao Rio, elogia a decisão do governo de limitar o número de
passageiros e não o de destinos no Aeroporto Santos Dumont para ajudar na
revitalização do Galeão.
Como a empresa avalia a restrição do Santos Dumont a 6,5
milhões de passageiros por ano em vez da limitação de um raio de 400
quilômetros? Vai ampliar voos no Galeão?
A vontade de todo mundo é tentar ajudar o Rio a crescer mais. Estou feliz com o
que o ministro Silvio Costa Filho (de Portos e Aeroportos) fez agora, porque dá
mais oportunidade de voar para alguns lugares que são importantes. Campinas é
crucial para nós. Na primeira portaria, não seria possível. Só poderia voar
para Congonhas. Agora, vamos tentar desenvolver o Rio de Janeiro, que é um
farol do Brasil. A imagem do país é o Rio, e o que todo mundo quer é uma cidade
mais forte. Já mudamos voos para Galeão e vamos aumentar. O Galeão vai ficar
maior.
Existem planos de expandir voos para Jacarepaguá (na Zona Oeste do Rio, de
onde a Azul voa para São Paulo com avião de pequeno porte)?
Sim, mas acho que precisa de obras na pista. O que provamos é que a demanda
existe.
Vamos voar para Viracopos, Congonhas e talvez Minas Gerais.
Todo mundo fala que a ponte aérea é mais importante, mas acho que conectar o
país é ainda mais. Minha malha conecta o Brasil inteiro, temos 160 cidades
conectadas. A Azul cresceu sem acesso a Congonhas por quase 15 anos. Criamos
tudo isso sem acesso ao aeroporto. Lutamos, lutamos e finalmente temos um
espaço relevante em Congonhas. Nossos concorrentes sempre tiveram acesso a
Congonhas e nunca decidiram voar para essas 160 cidades. Em cem delas, só a
Azul voa.
Então qual destino chama a atenção fora da ponte aérea?
Vamos olhar para Sinop (MT), Sorriso (MT), Rio Verde (GO).
Vinte anos atrás essas cidades não eram nada. Isso é o potencial que o Brasil
tem. Para os meus concorrentes, o Brasil é pequeno, Rio, São Paulo e Brasília.
Elas concentram 92% dos voos dos meus concorrentes. A nossa participação é de
38%.
As pessoas acham que o Brasil é a Faria Lima (centro
financeiro de São Paulo), e o Brasil não é, é bem maior do que isso. É o Norte,
o Nordeste, o agronegócio, o interior do Rio Grande do Sul. Quem imaginou que
Manaus, Belém, Confins, Recife teriam voos para os Estados Unidos? Este é o
potencial que este país tem. Acho que muitas pessoas são cegas. Por que ninguém
voava Embraer antes da Azul?
A empresa vai ampliar a malha?
Nós vamos continuar crescendo. Antes da pandemia, a Azul
voava para 119 cidades. Hoje, para 160. Vejo oportunidade para chegarmos a 200
cidades nos próximos três anos. Precisamos trabalhar junto com o governo para
levantar quais são as oportunidades que existem neste país. A Azul é a única
empresa aérea que tem na sua frota aeronaves com nove e com 330 assentos. Isso
é um desafio. As pessoas acham que somos loucos. A aviação pequena começa a
desenvolver a cidade.
O que o governo precisa fazer?
O governo pode começar com prioridades. Eu tenho que cruzar
minhas informações com os pedidos que eles têm e ter certeza de que as obras
sairão. No ano passado, por exemplo, a gente cancelou alguns voos porque teve
capivara na pista de um aeroporto. Precisamos trabalhar juntos, porque ninguém
tem dinheiro sobrando.
Por que o preço da passagem aérea é tão alto?
Por causa da demanda, os aeroportos estão lotados. A única
maneira para ter uma tarifa mais razoável é crescer, ter mais oferta. Se a
gente não colocasse mais voos no ar, a tarifa iria subir ainda mais. A Azul
hoje é 30% maior em relação a 2019. Há muita oportunidade, o brasileiro voa
menos do que o chileno, o colombiano, o mexicano. Eu acho que é uma vergonha
viajar tão pouco. Outro problema é o preço do combustível, que é o mais alto do
mundo. Ninguém deve ter orgulho de dizer isso, especialmente porque é um país
do petróleo. E ainda tem os tributos. Não é que a empresa aérea queira lucrar
mais.
O governo tenta atrair aéreas “low cost”, mas as empresas
nunca vêm. Vocês temem esse tipo de concorrência?
Não temos empresa low cost porque várias coisas são
diferentes no Brasil. Por exemplo, o preço do combustível é o mais caro do
mundo, tem o dólar, os processos judiciais são os mais altos do mundo. Temos 3%
dos voos do mundo e 90% dos processos. Se uma low cost vem aqui e o Santos
Dumont fecha, ela é responsável por todos os custos. Acho que o modelo low cost
não funcionaria no Brasil neste momento. Mesmo com fim da franquia da bagagem e
abertura ao capital estrangeiro, cadê? Quem sai perdendo é o Brasil, é a classe
C, porque a tarifa média tem que ser mais cara.
A Azul vai participar do Voa Brasil (programa que o governo prepara para baratear o preço das passagens)?
Acho que o programa é uma grande oportunidade para convidar
mais pessoas a voar. Mas não tem uma bala perfeita para consertar o Brasil. Tem
que olhar preço de combustível e outras coisas. Quando a tarifa sobe, quem
sofre é a classe C; quando se tem problemas judiciais, quem sofre é a classe C,
porque eles não têm acesso. Se a gente começar a atacar os problemas, muito
mais gente vai voar. Todo mundo sai ganhando, e é isso que a gente mais quer.
Após os incidentes com jatinhos em Congonhas, a Azul
defende a redução da aviação executiva no aeroporto?
Congonhas tem duas pistas, então eles têm que usar da melhor
forma. Tive que cancelar vários voos por causa de um pneu de uma aeronave de
pequeno porte e, quando essas coisas acontecem, perdemos milhões. Em Congonhas,
temos uma pista auxiliar e a principal. Não teríamos tanto problema se as
aeronaves de pequeno porte pousassem na pista auxiliar
Sobre o caso da senhora que morreu no avião da Azul que
saiu dos EUA, com destino a Minas Gerais, e o corpo passou horas no assento, na
semana passada. Por que o piloto não retornou?
Em respeito à família, não estamos dando detalhes. Mas a
decisão naquele momento é do comandante. A gente lamenta o que aconteceu.
O que levou a Azul a cooperar com a missão de repatriação
de brasileiros de Israel?
Temos 4 mil tripulantes que são voluntários. Temos um
exército dentro da Azul que faz coisas no país inteiro e, quando alguma coisa
acontece, sempre recebo mensagens dessas pessoas perguntando o que a Azul vai
fazer. Então, ligamos para o Ministério da Defesa e perguntamos: “Vocês vão
fazer voos? Como poderíamos ajudar?” Foi uma coisa natural.
Fonte: O Globo - Negócios
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