domingo, 12 de novembro de 2023

CEO da Azul culpa custos no Brasil por bilhetes nas alturas: 'Quem perde é a classe C'

Para John Rodgerson, 'o modelo ‘low cost’ não funcionaria' no país agora. Em entrevista exclusiva, cita preço do combustível e alta judicialização. Ainda assim, prevê ampliação para 200 destinos

Perto de completar 15 anos, em 15 de dezembro, a Azul Linhas Aéreas pretende ampliar de 160 para 200 o número de destinos no Brasil em três anos, disse o seu CEO, John Rodgerson, em entrevista ao GLOBO. Tendo Campinas (SP) como base, a caçula entre as três maiores companhias aéreas do país começou voando para apenas três cidades. Atualmente, disputa mercado com Gol e Latam, mas não com a mesma agressividade nas tarifas do começo.

O executivo admite que os preços das passagens aéreas no país estão muito altos, mas argumenta que o modelo low cost (como são chamadas as companhias de baixo custo lá fora) não funciona no Brasil. E cita como razões custos operacionais elevados, câmbio desfavorável, combustível que diz ser o mais caro do mundo e alta judicialização. “Quem sai perdendo é a classe C”, decreta. Para Rodgerson, uma das formas de democratizar o acesso ao avião é investir na infraestrutura de aeroportos, particularmente os regionais.

Sobre os problemas recentes em Congonhas (SP) — terminal mais movimentado do país recém-assumido pela iniciativa privada, que parou três vezes em uma só semana por causa de incidentes com aviões de pequeno porte —, defende que os jatinhos executivos só possam operar na pista auxiliar (decisão tomdada pela concessionária na sexta-feira) para evitar atrasos nos voos comerciais. Quanto ao Rio, elogia a decisão do governo de limitar o número de passageiros e não o de destinos no Aeroporto Santos Dumont para ajudar na revitalização do Galeão.

 

Como a empresa avalia a restrição do Santos Dumont a 6,5 milhões de passageiros por ano em vez da limitação de um raio de 400 quilômetros? Vai ampliar voos no Galeão?
A vontade de todo mundo é tentar ajudar o Rio a crescer mais. Estou feliz com o que o ministro Silvio Costa Filho (de Portos e Aeroportos) fez agora, porque dá mais oportunidade de voar para alguns lugares que são importantes. Campinas é crucial para nós. Na primeira portaria, não seria possível. Só poderia voar para Congonhas. Agora, vamos tentar desenvolver o Rio de Janeiro, que é um farol do Brasil. A imagem do país é o Rio, e o que todo mundo quer é uma cidade mais forte. Já mudamos voos para Galeão e vamos aumentar. O Galeão vai ficar maior.

Existem planos de expandir voos para Jacarepaguá (na Zona Oeste do Rio, de onde a Azul voa para São Paulo com avião de pequeno porte)?
Sim, mas acho que precisa de obras na pista. O que provamos é que a demanda existe.



No Santos Dumont, a Azul vai voar para outros destinos ou ficará concentrada na ponte aérea com Congonhas?

Vamos voar para Viracopos, Congonhas e talvez Minas Gerais. Todo mundo fala que a ponte aérea é mais importante, mas acho que conectar o país é ainda mais. Minha malha conecta o Brasil inteiro, temos 160 cidades conectadas. A Azul cresceu sem acesso a Congonhas por quase 15 anos. Criamos tudo isso sem acesso ao aeroporto. Lutamos, lutamos e finalmente temos um espaço relevante em Congonhas. Nossos concorrentes sempre tiveram acesso a Congonhas e nunca decidiram voar para essas 160 cidades. Em cem delas, só a Azul voa.

 

Então qual destino chama a atenção fora da ponte aérea?

Vamos olhar para Sinop (MT), Sorriso (MT), Rio Verde (GO). Vinte anos atrás essas cidades não eram nada. Isso é o potencial que o Brasil tem. Para os meus concorrentes, o Brasil é pequeno, Rio, São Paulo e Brasília. Elas concentram 92% dos voos dos meus concorrentes. A nossa participação é de 38%.

As pessoas acham que o Brasil é a Faria Lima (centro financeiro de São Paulo), e o Brasil não é, é bem maior do que isso. É o Norte, o Nordeste, o agronegócio, o interior do Rio Grande do Sul. Quem imaginou que Manaus, Belém, Confins, Recife teriam voos para os Estados Unidos? Este é o potencial que este país tem. Acho que muitas pessoas são cegas. Por que ninguém voava Embraer antes da Azul?

 

A empresa vai ampliar a malha?

Nós vamos continuar crescendo. Antes da pandemia, a Azul voava para 119 cidades. Hoje, para 160. Vejo oportunidade para chegarmos a 200 cidades nos próximos três anos. Precisamos trabalhar junto com o governo para levantar quais são as oportunidades que existem neste país. A Azul é a única empresa aérea que tem na sua frota aeronaves com nove e com 330 assentos. Isso é um desafio. As pessoas acham que somos loucos. A aviação pequena começa a desenvolver a cidade.

 

O que o governo precisa fazer?

O governo pode começar com prioridades. Eu tenho que cruzar minhas informações com os pedidos que eles têm e ter certeza de que as obras sairão. No ano passado, por exemplo, a gente cancelou alguns voos porque teve capivara na pista de um aeroporto. Precisamos trabalhar juntos, porque ninguém tem dinheiro sobrando.

 

Por que o preço da passagem aérea é tão alto?

Por causa da demanda, os aeroportos estão lotados. A única maneira para ter uma tarifa mais razoável é crescer, ter mais oferta. Se a gente não colocasse mais voos no ar, a tarifa iria subir ainda mais. A Azul hoje é 30% maior em relação a 2019. Há muita oportunidade, o brasileiro voa menos do que o chileno, o colombiano, o mexicano. Eu acho que é uma vergonha viajar tão pouco. Outro problema é o preço do combustível, que é o mais alto do mundo. Ninguém deve ter orgulho de dizer isso, especialmente porque é um país do petróleo. E ainda tem os tributos. Não é que a empresa aérea queira lucrar mais.

 

O governo tenta atrair aéreas “low cost”, mas as empresas nunca vêm. Vocês temem esse tipo de concorrência?

Não temos empresa low cost porque várias coisas são diferentes no Brasil. Por exemplo, o preço do combustível é o mais caro do mundo, tem o dólar, os processos judiciais são os mais altos do mundo. Temos 3% dos voos do mundo e 90% dos processos. Se uma low cost vem aqui e o Santos Dumont fecha, ela é responsável por todos os custos. Acho que o modelo low cost não funcionaria no Brasil neste momento. Mesmo com fim da franquia da bagagem e abertura ao capital estrangeiro, cadê? Quem sai perdendo é o Brasil, é a classe C, porque a tarifa média tem que ser mais cara.

 


A Azul vai participar do Voa Brasil (programa que o governo prepara para baratear o preço das passagens)?

Acho que o programa é uma grande oportunidade para convidar mais pessoas a voar. Mas não tem uma bala perfeita para consertar o Brasil. Tem que olhar preço de combustível e outras coisas. Quando a tarifa sobe, quem sofre é a classe C; quando se tem problemas judiciais, quem sofre é a classe C, porque eles não têm acesso. Se a gente começar a atacar os problemas, muito mais gente vai voar. Todo mundo sai ganhando, e é isso que a gente mais quer.

 

Após os incidentes com jatinhos em Congonhas, a Azul defende a redução da aviação executiva no aeroporto?

Congonhas tem duas pistas, então eles têm que usar da melhor forma. Tive que cancelar vários voos por causa de um pneu de uma aeronave de pequeno porte e, quando essas coisas acontecem, perdemos milhões. Em Congonhas, temos uma pista auxiliar e a principal. Não teríamos tanto problema se as aeronaves de pequeno porte pousassem na pista auxiliar

 

Sobre o caso da senhora que morreu no avião da Azul que saiu dos EUA, com destino a Minas Gerais, e o corpo passou horas no assento, na semana passada. Por que o piloto não retornou?

Em respeito à família, não estamos dando detalhes. Mas a decisão naquele momento é do comandante. A gente lamenta o que aconteceu.

 

O que levou a Azul a cooperar com a missão de repatriação de brasileiros de Israel?

Temos 4 mil tripulantes que são voluntários. Temos um exército dentro da Azul que faz coisas no país inteiro e, quando alguma coisa acontece, sempre recebo mensagens dessas pessoas perguntando o que a Azul vai fazer. Então, ligamos para o Ministério da Defesa e perguntamos: “Vocês vão fazer voos? Como poderíamos ajudar?” Foi uma coisa natural.

 

Fonte: O Globo - Negócios



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