O PL 2.685/2022 estabelece normas para facilitar o acesso ao crédito e diminuir a inadimplência e o super endividamento. Uma das medidas é o limite para os juros do cartão de crédito, que deve ser fixado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Medida provisória
O Programa Desenrola Brasil está em funcionamento desde 17 de julho deste ano por conta da medida provisória (MP) 1.176/2023, que aguarda votação na Câmara dos Deputados e perde a validade no dia 3 de outubro. Além de incorporar o programa federal criado pela MP, o projeto de lei abrange normas previstas em uma portaria do Ministério da Fazenda, que regulamenta o Desenrola Brasil e traz medidas adicionais.
Desenrola Brasil
O objetivo do programa é incentivar a renegociação de dívidas de pessoas inscritas em cadastros de inadimplentes para reduzir o endividamento e facilitar a retomada do acesso ao crédito. O Desenrola Brasil vale até 31 de dezembro de 2023 e, segundo o Ministério da Fazenda, pode beneficiar até 70 milhões de pessoas.
O PL 2.685/2022 define dois tipos de empresas envolvidas na negociação com o devedor: o credor, que inscreveu a pessoa devedora no cadastro de inadimplentes; e os agentes financeiros, autorizados a realizar operações de crédito. O programa impõe algumas condições aos participantes. Entre elas:
- os devedores devem pagar seus débitos pela contratação de nova operação de crédito com agente financeiro habilitado ou com recursos próprios;
- os credores devem oferecer descontos e excluir dos cadastros de inadimplentes as dívidas renegociadas; e
- os agentes financeiros devem financiar com recursos próprios as operações de crédito.
Faixa 1
O projeto prevê duas faixas de público beneficiado pelo Desenrola Brasil. A faixa 1 se destina a pessoas com renda mensal de até dois salários mínimos ou que estejam inscritas no Cadastro Único para Programa Sociais do Governo Federal (CadÚnico), com dívidas de até R$ 5 mil contraídas até 31 de dezembro de 2022.
Segundo o Poder Executivo, esse grupo reúne cerca de 43 milhões de pessoas e uma dívida total estimada em cerca de R$ 50 bilhões. Os beneficiados podem quitar os débitos à vista ou por meio de financiamento bancário em até 60 meses, sem entrada, com taxa de juros de 1,99% ao mês e primeira parcela após 30 dias. A parcela mínima será de R$ 50.
Famílias e credores precisam de se inscrever em uma plataforma na internet. O público deve participar de um programa de educação financeira, enquanto os credores devem se submeter a um leilão eletrônico para oferecer descontos às famílias. O governo garante a quitação da dívida para o vencedor do leilão — aquele que oferecer o maior desconto.
Faixa 2
A faixa 2 é destinada a pessoas com dívidas de até R$ 20 mil. As instituições financeiras podem oferecer aos clientes a possibilidade de renegociação de forma direta ou pela plataforma do Desenrola Brasil. Em troca de descontos nas dívidas, o governo oferece aos bancos incentivos regulatórios para que aumentem a oferta de crédito.
O texto prevê um prazo mínimo de 12 meses para o pagamento na faixa 2, exceto quando os devedores queiram pagar a dívida em menos tempo. O projeto estabelece outras condições para que bancos públicos ou privados participem como credores no leilão de descontos, caso tenham volume de captações superior a R$ 30 bilhões. Uma das condições é reduzir permanentemente o cadastros de inadimplentes com dívidas de valor igual ou inferior a R$ 100.
As dívidas que não se enquadrem nas faixas 1 e 2 podem ser quitadas por meio da plataforma digital do programa. A Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil devem prestar instruções de forma presencial e gratuita aos devedores que tiverem dificuldade em acessar a plataforma.
Para garantir o pagamento do valor renegociado, o Executivo pode usar recursos do Fundo Garantidor de Operações (FGO-Pronampe). O dinheiro deve ser aplicado para honrar valores não pagos pelo devedor depois da renegociação até o montante de R$ 5 mil por pessoa, atualizado pela taxa Selic.
Juros do cartão
O projeto encarrega o CMN de fixar limites para os juros do cartão de crédito. Todos os anos, os emissores de cartão e outros instrumentos pós-pagos devem submeter à aprovação do conselho os limites para as taxas de juros e encargos financeiros cobrados.
Se os limites não forem aprovados no prazo máximo de 90 dias, contados da data de publicação da lei originada pelo PL 2.685/2022, o total cobrado a título de juros e outras despesas não pode exceder o valor original da dívida. Ou seja: a dívida pode no máximo dobrar no período de um ano.
O texto propõe outras medidas para facilitar o acesso ao crédito, como a dispensa da apresentação de certidões de quitação de tributos federais se o interessado não estiver inscrito em cadastro de inadimplente. O projeto também desobriga os clientes de provar quitação eleitoral em operações de crédito e libera as empresas de apresentar a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) para realizar empréstimos bancários.
O PL 2.685/2022 permite ao devedor a portabilidade da dívida do cartão de crédito e de outros débitos relacionados, mesmo os já parcelados pelo próprio cartão ou de contas vinculadas a ele. Com isso, o consumidor pode buscar ofertas de juros menores em outras instituições financeiras.
Segundo o Poder Executivo, o índice de inadimplência vem crescendo nos últimos anos. De cada grupo de dez famílias, quatro têm dívidas em atraso acima de três meses. A intenção do Desenrola Brasil é mudar o perfil de endividamento, especialmente entre famílias de baixa renda.
Dados do Serasa relativos a agosto deste ano indicam que há 71,74 milhões de brasileiros “negativados”, com um total de R$ 355 bilhões em dívidas. O valor médio é de R$ 1.320,41 por dívida e de R$ 4.948,73 por pessoa. Cerca de 29% dessas dívidas são com bancos e emissores de cartão de crédito; 24% são relacionadas a contas de água, luz, gás, entre outros; e 15% são financeiras.
“Desafio crítico”
Para o relator do PL 2.685/2022, senador Rodrigo Cunha, o endividamento representa um “desafio crítico” para o país. Na reunião desta quinta-feira, o parlamentar disse ter apresentado ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, um projeto de lei para a aplicação de recursos do Fundo de Direito Difuso — formado por multas decorrentes de relações de consumo — em campanhas de educação financeira.
— O endividamento das famílias brasileiras é um desafio crítico que afeta não apenas as finanças pessoais, mas também a estabilidade econômica do país como um todo. O endividamento excessivo coloca um peso emocional e psicológico significativo sobre as famílias. A pressão para pagar dívidas pode levar a problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. Aliviar o fardo das dívidas melhora diretamente a qualidade de vida das pessoas e suas relações familiares — disse Cunha.
O senador Esperidião Amin (PP-SC) defendeu a aprovação do Desenrola Brasil. Para ele, o PL 2.685/2022 “não encerra o debate sobre as formas de desenrolar o cidadão brasileiro”. Mas contribui para aliviar a situação de quem “está permanentemente enrolado por falta de opção”. A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) disse que o superendividamento “tem sido causa de suicídios no nosso país”.
— Somos oposição, mas essa matéria nos une se pudermos pensar junto com o governo campanhas de educação financeira. São endividamentos incitados por apostas, pirâmides e 'consórcios entre amigos'. As pessoas estão indo ao desespero, à tristeza e à depressão. Tenho que reconhecer que o governo neste ponto acertou — disse.
Constrangimento
O líder do Governo no Senado, senador Jaques Wagner (PT-BA), votou a favor do texto. Ele criticou a demora para a votação da MP 1.176/2023 pela Câmara dos Deputados e o fato de a comissão mista que deveria discutir o tema sequer ter sido instalada.
Dada a demora para a votação da MP, Wagner se disse constrangido por ter precisado sugerir ao relator do projeto de lei, senador Rodrigo Cunha, que a CAE não realizasse audiências públicas sobre o Desenrola Brasil, como seria natural. Segundo o parlamentar, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, vai convocar uma sessão semipresencial do Plenário para apreciar o PL 2.685/2022 na próxima segunda-feira — um dia antes de a medida provisória perder a validade.
— Não se instala a comissão, transforma-se em um projeto de lei, dá-se urgência ao projeto e lá vamos nós mais uma vez sem aprofundar. Na antevéspera da queda da medida provisória, esta Casa ficaria com a pecha de ter enterrado o Desenrola Brasil. É uma coisa constrangedora. Eu me senti mal de pedir, mas o relator aquiesceu por compreender o momento com absoluta consternação. Não é possível que a gente continue assim — afirmou, agradecendo a Rodrigo Cunha.
O líder do Governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), classificou a demora para análise da MP 1.176/2023 pela Câmara dos Deputados como uma “deformação institucional”. Ele se comprometeu a apoiar o projeto anunciado pelo senador Rodrigo Cunha para a realização de campanhas contra o superendividamento.
— Se o Desenrola é um programa até agora um exitoso, é o primeiro passo de uma caminhada que se necessita para o enfrentamento do drama do endividamento. Podemos avançar mais com isso — reconheceu.
Os senadores Augusta Brito (PT-CE), Professora Dorinha Seabra (União-TO) e Rogério Carvalho (PT-SE) também defenderam a aprovação do programa. Para o presidente da CAE, senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), “o projeto é tão bom que está unindo oposição e situação”.
Fonte: Agência Senado
Nenhum comentário:
Postar um comentário