No começo da tarde desta terça-feira, alguns dos principais ministros do núcleo militar do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) serão ouvidos pela Polícia Federal e pelo Ministério Público no Palácio do Planalto.
Os depoimentos são parte crucial do inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar as acusações feitas pelo ex-ministro Sergio Moro ao deixar o governo, no fim do mês passado. Na ocasião, Moro acusou Bolsonaro de tentar interferir na PF para ter acesso a investigações sigilosas tocadas pelo órgão.
Falarão os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Walter Souza Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). Os três são generais da reserva do Exército e trabalham dentro do Palácio do Planalto, ao lado de Bolsonaro.
Os investigadores querem ouvir os três, principalmente, sobre uma reunião do presidente da República com vários de seus ministros, ocorrida no dia 22 de abril, no Planalto.
Segundo Sergio Moro, Bolsonaro o pressionou durante o encontro para trocar o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro.
"O próprio presidente cobrou em reunião do conselho de ministros, ocorrida em 22 de abril de 2020 (...), a substituição do SR/RJ (o superintendente da PF no Rio), do Diretor Geral (da PF) e (a entrega) de relatórios de inteligência e informação da Polícia Federal", disse Moro em seu depoimento.
"O presidente afirmou que iria interferir em todos os Ministérios e quanto ao MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública), se não pudesse trocar o Superintendente do Rio de Janeiro, trocaria o Diretor Geral e o próprio Ministro da Justiça".
Os três ministros não são investigados na apuração em curso no Supremo — mas o depoimento deles pode ter implicações na investigação em curso sobre o seu chefe.
Antes mesmo de ocorrer, os depoimentos já geraram reações políticas.
Augusto Heleno respondeu a um internauta que o perguntou sobre as palavras empregadas por Celso de Mello — que escreveu que os ministros estariam sujeitos "à condução coercitiva ou (a depor) 'debaixo de vara'", caso se recusassem a comparecer.
Sobre como responderia a Celso de Mello, Heleno escreveu que "tudo tem sua hora".
O inquérito contra Jair Bolsonaro foi aberto por decisão do ministro do STF Celso de Mello no dia 27 de abril, na esteira de um pedido formulado pelo procurador-geral da República Augusto Aras.
Na petição que deu origem ao inquérito, Aras diz que Bolsonaro pode ter cometido, em tese, os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça e corrupção passiva privilegiada.
Já Sergio Moro, segundo Aras, pode ter incorrido em crimes contra a honra e no crime de denunciação caluniosa, se as acusações dele contra Bolsonaro se mostrarem falsas.
Como será o depoimento? Eles são obrigados a falar?
Os ministros serão ouvidos todos ao mesmo tempo, às 15h desta terça-feira, em locais diferentes do Palácio do Planalto — uma estratégia dos investigadores para evitar a combinação de versões entre eles.
Os depoimentos serão acompanhados por investigadores da Polícia Federal e também por procuradores da República que acompanham o caso em nome do procurador-geral da República.
Segundo o advogado criminalista João Paulo Martinelli, os ministros — como quaisquer outras testemunhas — não podem se recusar a falar. A única exceção são informações que possam implicar a eles mesmos.
"Nenhuma testemunha pode se negar a falar o que sabe. O crime de falso testemunho vale para quem mente (durante o interrogatório), mas também para quem omite o que sabe. O que não pode acontecer é a testemunha ser obrigada a falar algo que possa comprometê-la. Existe um princípio do direito penal segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo", diz ele, que é doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP).
"No caso dos ministros, há a possibilidade, por exemplo, de aparecer alguma informação relacionada a crimes contra a segurança nacional. Mesmo nesse caso, no meu entendimento, eles são obrigados a falar. Só podem recusar informações que podem comprometer a eles mesmos", diz Martinelli.
"Por exemplo: se naquela reunião (de 22 de abril), alguém defendeu o fechamento do Congresso, isso é um crime contra a segurança nacional. Esse fato não pode ser omitido, é um crime que precisa ser apurado", diz.
A investigação contra o Presidente da República terá outros desdobramentos nesta terça-feira.
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Sergio Moro estará de volta a Brasília pela primeira vez desde que deixou o posto de ministro da Justiça. Ele irá à sede da Polícia Federal para assistir ao vídeo da reunião de 22 de abril — o encontro foi gravado pela presidência da República e as filmagens estão sob poder do Supremo Tribunal Federal.
Também poderão assistir ao vídeo os representantes da própria PF e da Procuradoria-Geral da República. A ideia é que os investigadores possam saber o que se passou na reunião do dia 22 de abril para formular as perguntas às testemunhas, segundo Celso de Mello.
Na noite de segunda-feira (11/05), Celso de Mello autorizou a Polícia Federal a periciar a gravação da reunião entregue pela Presidência da República, para saber se está íntegra.
Celso de Mello também determinou os depoimentos de três delegados da Polícia Federal, que serão tomados na tarde desta terça feira.
Serão ouvidos Carlos Henrique de Oliveira Souza, que era o superintendente da PF no Rio até a semana passada e se tornou o diretor-executivo da corporação, o segundo na hierarquia; Alexandre da Silva Saraiva, que era superintendente no Amazonas e foi cotado por Bolsonaro para comandar a PF no Rio; e Rodrigo de Melo Teixeira (ex-superintendente em Minas Gerais).
Teixeira conduziu as apurações sobre a facada sofrida por Jair Bolsonaro durante um comício na cidade de Juiz de Fora (MG), em setembro de 2018.
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Quais são os próximos passos no inquérito?
Outros lances importantes para a investigação devem acontecer até o fim da semana.
Nesta quarta-feira, está marcado o depoimento da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). Uma das aliadas mais próximas de Bolsonaro no Congresso, ela se envolveu no caso por conta de uma troca de mensagens com Sergio Moro, divulgada pelo ex-ministro. Na conversa, a deputada pede ao ex-ministro que "aceite o (delegado Alexandre) Ramagem (no comando da Polícia Federal), e vá em setembro para o STF. Eu me comprometo e ajudar a fazer JB (Jair Bolsonaro) prometer", diz ela.
Nos próximos dias, o ministro Celso de Mello também deve decidir a respeito da divulgação do vídeo da reunião de 22 de abril — no despacho em que determinou o sigilo do vídeo, o ministro disse que decidiria sobre a publicidade do material "brevíssimamente". O inquérito em que Bolsonaro é investigado corre de forma pública no STF.
Uma vez encerrada a fase de coleta de evidências e depoimentos no âmbito do inquérito, cabe ao procurador-geral da República Augusto Aras decidir se denunciará ou não Bolsonaro ou alguma outra pessoa.
"Esses elementos levantados no inquérito não servem para demonstrar se uma pessoa é culpada ou não. O inquérito busca levantar os elementos mínimos para que o Ministério Público possa propor uma ação penal. É como se fosse um filtro, a partir do qual o Ministério Público vê as informações levantadas e decide se é o caso de denunciar, ou de arquivar", diz o criminalista João Paulo Martinelli.
"Se o MP iniciar a ação penal, aí sim são produzidas as provas que buscam demonstrar a culpa de quem se tornou réu. Aí são produzidos elementos probatórios destinados ao juiz, que nesse caso é o STF", explica.
Se o presidente for efetivamente denunciado, caberá à Câmara dos Deputados decidir se ele será ou não investigado durante o mandato. Para que a investigação prossiga, são necessários os votos de 342 dos 513 deputados. Uma vez aceita a denúncia pela Câmara, o presidente é afastado do cargo durante seis meses — 180 dias — para que o Supremo possa concluir as investigações e dar um veredito.
Quem já foi ouvido esta semana?
Nesta segunda-feira (11), foram ouvidas novas testemunhas no inquérito.
Falaram aos investigadores o ex-diretor geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo; o ex-superintendente da PF no Rio, Ricardo Saadi, e o delegado da PF Alexandre Ramagem.
Este último era o preferido de Bolsonaro para assumir o comando da PF, e chegou a ser nomeado para o cargo — mas sua nomeação foi suspensa pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, em 29 de abril.
Maurício Valeixo foi o pivô da demissão de Sergio Moro do posto de ministro da Justiça. O ex-juiz da Lava Jato bateu o martelo sobre sua saída do governo quando o Diário Oficial publicou a exoneração de Valeixo do comando da PF, em 24 de abril — a portaria trazia inclusive a assinatura eletrônica de Moro, que, no entanto, disse jamais ter assinado tal documento. Horas depois, o Diário trouxe uma retificação, sem a assinatura de Moro.
Já Saadi foi removido "de surpresa" da Superintendência da PF no Rio, em agosto de 2019, depois de pressões de Bolsonaro. "Vou mudar o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Motivos? Gestão e produtividade", disse Bolsonaro, na época.
A mudança ocorreu meses depois da Superintendência da PF no Rio se envolver nas apurações do caso de Fabrício Queiroz, um ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
Em seu depoimento, Maurício Valeixo disse que Bolsonaro teria lhe dito, por telefone, que não tinha "nada contra a sua pessoa", mas que queria alguém no comando da PF com quem tivesse "mais afinidade". Valeixo depôs durante seis horas, aproximadamente.
Valeixo disse ainda que, em junho de 2019 Bolsonaro teria sugerido a troca de Saadi por Alexandre da Silva Saraiva, que comandava a PF no Amazonas; disse, no entanto, não saber os motivos da troca. O ex-diretor disse ainda que não existiram interferências no trabalho da Polícia enquanto Moro ocupou o posto de Ministro da Justiça.
Fonte: BBC News
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