segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Ex-diretor da PF é acusado de superfaturar gastos do Pan

EQUIPAMENTOS DE SEGURANÇA


Há seis meses uma Ação de Improbidade Administrativa está parada na 8ª Vara Federal do Distrito Federal porque as duas pessoas físicas acusadas de provocarem um sobrepreço de R$ 17,9 milhões nos gastos do governo com equipamentos de segurança para os Jogos Pan-Americanos de 2007 não foram localizadas.
Ao todo foram gastos R$ 174,3 milhões na compra e instalação de equipamentos de segurança no Rio e foi descoberto um superfaturamento em despesas que totalizaram 23,5% deste total, isto é, R$ 41 milhões. No restante do valor pago não pode haver análise dos preços cobrados.
O curioso é que os dois acusados são conhecidos e seus locais de trabalho também. Luiz Fernando Corrêa, ex-diretor geral do Departamento de Polícia Federal (DPF), ex-secretário Nacional de Segurança Pública, desde maio — um mês antes de impetrada a ação — é diretor de segurança do Rio 2016, Comitê Organizador da Política de Esporte e da área de Operações das Olimpíadas e despacha diariamente no prédio do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) na Barra da Tijuca, no Rio.
Já o agente de polícia federal Odécio Rodrigues Carneiro, coordenador do Grupo de Trabalho Tecnologia da Informação PAN 2007, até quinta-feira (12/1) era de diretor de Logística da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos do ministério da Justiça, onde dava expediente. Agora, demitido do cargo, deve se reapresentar ao DPF.
A demissão, embora oficialmente tenha sido “a pedido”, foi acertada de terça-feira (10/1) para a quarta-feira, tão logo o Ministério da Justiça foi procurado por jornalistas atrás de Carneiro. Até então, nem o ministro José Eduardo Cardozo, nem seus assessores diretos tinham conhecimento da Ação de Improbidade, na qual a identificação dos acusados ainda é mantida em segredo.
Além da exoneração de Carneiro do cargo que ocupava — assinada pela ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann —, o Diário Oficial da União de quinta-feira (12) publicou decisão de Cardozo que, a partir das informações dos jornalistas, determinou a instauração de sindicância para apurar “irregularidades ocorridas no contrato firmado pelo ministério com o Consórcio Integração PAN”.
O consórcio, capitaneado pela Motorola do Brasil, era formado pela norte-americana Motorola Inc., a Rocha Bressan Engenharia Indústria e Comércio Ltda. e a Sisgraph Ltda.. Todas as três, também denunciadas pelo Ministério Público Federal, já foram citadas e apresentaram suas defesas.
Na ação, cuja existência o jornalista Lauro Jardim noticiou em dezembro na coluna Radar da revistaVeja, o procurador da República Paulo Roberto Galvão pede que os bens dos seis acusados sejam colocados indisponíveis, como garantia de ressarcimento ao erário. Mas nada ainda foi decidido, pois o juiz Antonio Claudio Macedo da Silva aguarda a citação dos acusados para que apresentem defesas prévias, como determina a legislação.
O pedido do procurador Galvão é para que Corrêa, Carneiro e as empresas sejam condenados pelo artigo 12, inciso II da Lei de Improbidade Administrativa. Ele quer que eles devolvam os R$ 17,9 milhões pagos a mais, paguem ainda uma multa de R$ 35,8 milhões (duas vezes o valor do dano causado), tenham os direitos políticos cassados, sejam proibidos de contratar com o Poder Público, além da demissão dos servidores públicos. Carneiro, perderia o cargo no DPF. Corrêa pode ter aposentadoria revogada e ser demitido.
Processo confidencialO contrato com o consórcio - 25/2007 — foi sem licitação, uma vez que Corrêa, então secretário Nacional de Segurança Pública, com o aval do ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, classificou o processo como “confidencial”. A dispensa de licitação se respaldou no Decreto 4.553/2002 que autoriza a “salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado”.
A decretação deste sigilo fez com que o procurador pedisse segredo de Justiça na ação de improbidade, Mas, ouvido pela ConJur, ele defende “o sigilo só sobre a relação de equipamentos. A existência da ação, os réus, os fatos imputados, o valor do sobrepreço, o que fizeram ou deixaram de fazer isto para mim não é sigiloso não”.
O reconhecimento da dispensa de licitação, assim como a assinatura do contrato foram da responsabilidade do então coordenador-geral de logística do ministério, Sylvio Rômulo Guimarães de Andrade Júnior. O secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto, ratificou a dispensa de licitação. Ambos, porém, não foram denunciados por ter o procurador entendido que eles foram “ludibriados” por falsas afirmações lançadas no procedimento administrativo por Corrêa e Carneiro. Galvão admite que diante de fatos novos apontando que Andrade Junior e Barreto tinham consciência do sobrepreço, também serão incluídos no processo, em um aditamento à denúncia.
Curiosamente quem chegou ao sobrepreço de R$ 17,9 milhões foi o Instituto Nacional de Criminalística do DPF, em um laudo elaborado na época em que Corrêa era o seu diretor-geral. No trabalho, os peritos deixam claro a impossibilidade de calcular o preço real de todo o material, uma vez que há peças específicas, sem similares idênticos no mercado, o que poderia causar distorção na avaliação. Para não comprometerem o laudo, deixaram de lado a maior parte das despesas. Logo, o sobrepreço em cima apenas dos R$ 41 milhões corresponde a 77,94%. Segundo o laudo, o preço dos equipamentos seria de R$ 23 milhões. “É muito significativo”, disse o procurador à ConJur.
Os valores cobrados a mais variaram conforme a empresa. A maior diferença foi para Rocha Bressan: R$ 9,6 milhões acima do preço de mercado dos equipamentos, ou 131,53% pagos a mais. A Motorola americana levou R$ 7,3 milhões além do preço de referência — 49.42% a mais. Já o pagamento à Sisgraph foi maior em R$ 909 mil, 118,93% acima dos valores comparados. A Motorola brasileira não teve ganho direto, mas o procurador a citou por ela ser a líder, “ela responde em nome de todas, inclusive da matriz americana”, diz Galvão.
Na inicial apresentada em junho, Galvão destaca um parecer da Consultoria Jurídica do ministério cobrando dos responsáveis pelo processo de contratação uma maior transparência dos preços a serem pagos. Ele acusa Corrêa e Carneiro de praticarem atos que “impediram a verificação da compatibilidade dos preços propostos e obstaram a atuação dos controles internos do órgão, apondo informações incorretas no procedimento administrativo a respeito da apresentação de estimativas de custos e do cumprimento de recomendações da Consultoria Jurídica acerca da verificação de preços”.
Segundo diz, apesar do alerta da Consultoria Jurídica, os dois acusados “passaram por cima”. Um dos pontos que sua denúncia destaca do parecer dos consultores do ministério foi quando eles apontaram “expressamente a falha na justificativa dos preços a serem contratados, reafirmando a necessidade de fundamentação clara e inequívoca acerca dos custos propostos”. Ficou claro ainda que a consultoria só aprovaria o processo de contratação “com o atendimento às recomendações assinaladas”, isto é, as exigências de mais justificativas para os preços que estavam sendo cobrados, em especial por se tratar de processo sem licitação. Segundo Galvão, nada foi feito.
Carneiro, ainda como relata a ação, “limitou-se a repetir o que já havia sido dito antes acerca dos preços propostos, sem fazer qualquer análise sobre a adequação dos preços aos valores de mercado e sem apresentar a justificativa consistente, fundamentada e inequívoca exigida pela legislação e pela Consultoria Jurídica”. Por isto, Galvão concluiu: “Não sei qual vai ser a defesa deles, pois a meu ver não se pode alegar ausência de má-fé. Não podem dizer que não sabiam.”
O delegado Corrêa e o agente de polícia Carneiro não quiseram se pronunciar sobre o processo uma vez que não foram intimados e ação corre em segredo de Justiça. O Ministério da Justiça abriu a sindicância e se calou, não comentou a ação, até por desconhecê-la oficialmente.
Pessoas ligadas aos dois que atuaram na Senasp, porém, saíram em suas defesas. Garantiram que o contrato passou por todas as instâncias internas do ministério — Consultoria Jurídica, controle externo, setor de transparência — e após terem sido atendidas as recomendações, inclusive as da Consultoria Jurídica, foi devidamente aprovado.
Lembram que também a Controladoria Geral da União (CGU) não apenas aprovou como elogiou o processo e que ele foi muito discutido no Tribunal de Contas da União (TCU), onde, depois de uma tramitação de quatro anos, segundo eles, todo o processo foi aprovado por unanimidade no plenário, no ano passado.
Segundo dizem, a confusão se dá na comparação de preços unitários dos equipamentos quando eles foram adquiridos dentro de uma “solução” para a questão da segurança do Rio de Janeiro. Nestes comentários, até se admite que possa haver algum equipamento com preço mais alto do que o encontrado no mercado, mas isto não levaria em conta que todo o sistema contratado.
Segundo a ConJur levantou, o fato de o inquérito civil público instaurado na Procuradoria da República do DF ter tramitado em segredo — principalmente para não tornar público o tipo e os detalhes de equipamentos que ainda hoje são usados na segurança do Rio — fez com que o laudo do Instituto de Criminalística não fosse encaminhado ao TCU. Na procuradoria não chegou qualquer acórdão do julgamento do Tribunal de Contas.
Processo 0031760-98.2011.4.01.3400 
Marcelo Auler é jornalista.

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