sábado, 6 de agosto de 2011
Uso das Armas da República vira condenação penal
As Armas Nacionais têm causado problemas a um ex-deputado federal suplente. Josué dos Santos Ferreira responde a processo penal, de autoria do Ministério Público Federal, por uso indevido do Brasão da República em documentos pessoais. Ele foi condenado pela 7ª Vara Federal Criminal em São Paulo a prestar serviços comunitários e pagar multa de 50 salários mínimos. A ação agora corre no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
O MPF alega que Ferreira se utilizou do símbolo “em defesa de interesse próprio”, em cartas encaminhadas à Telefônica e à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para reclamar de erros em sua conta. Segundo o Ministério Público, o Brasão deu “a tais documentos a aparência de serem oficiais”, quando tratavam de assunto particular.
Para amparar a denúncia, o Ministério Público citou a Lei 5.700/71, que trata dos símbolos nacionais e oficiais e seu uso. Pelo texto, é proibido falsificar, danificar ou desrespeitar os ícones. Ferreira, portanto, teria cometido alguma dessas infrações.
Mas a Polícia Federal, acionada pelo MP para abrir inquérito contra o ex-parlamentar, não constatou infrações no uso das Armas. Segundo relatório da PF, obtido pela ConJur, “a Lei 5.700 instituiu os casos obrigatórios de uso dos Símbolos Nacionais, sem, contudo, impor restrição ao seu uso”. As investigações foram encerradas. Ao que parece, o problema do ex-deputado está nessa brecha deixada pela Lei, que não prevê regras expressas sobre o uso (ou a proibição) das Amas da República.
A denúncia persistiu, apesar da opinião do relatório policial. Como testemunha de acusação, foi arrolada a chefe da assessoria de relações com usuários da Anatel, Rúbia Marize de Araújo. A responsável pela denúncia, à época, era a procuradora da República Ana Carolina Previtalli. Questionada pela ConJur sobre suas razões, diante do parecer da PF, a procuradora preferiu não se manifestar. Disse, por meio da assessoria de imprensa do MPF-SP, que agora está em outra vara, e por isso o caso não está mais com ela.
Josué Ferreira entrou com Habeas Corpus para tentar anular a denúncia e acabar com o processo. O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, não aceitou o pedido, alegando haver comprovação do fato e, portanto, necessidade de julgamento. A notícia causou ao ex-suplente um infarto, conforme ele contou à reportagem.
Na segunda instância, o caso está sob os cuidados da procuradora regional da República Mônica Nicida Garcia, da 3ª Região. Ela já emitiu parecer pedindo a condenação de Josué Ferreira, alegando que ele se utilizou do Brasão da República, bem como seu então cargo parlamentar, para tentar intimidar a Telefônica e dar às suas cartas caráter oficial.
As informações ficavam sempre nos cabeçalhos das correspondências, em destaque. Logo depois, Ferreira fazia suas reclamações se colocando nas condições de “cidadão, consumidor e deputado”. Diz o parecer do MP: “Neste contexto, resta evidente que Josué dos Santos Ferreira fez uso indevido de símbolo da República, na medida em que mediante a sua aposição em suas correspondências particulares logrou lesar a fé pública, que é o bem jurídico tutelado pelo artigo 296, parágrafo 1º, inciso III, do Código Penal”. Até o fechamento desta reportagem, a procuradora Mônica estava em férias, e não pôde comentar o caso.
Às armas
O ex-congressista, no entanto, não comparece à disputa desarmado. Documentou todos os passos que deu em relação ao Brasão da República, desde a primeira vez que quis usá-lo para fins particulares.
Foi em 2000, quando queria estampar o símbolo na capa de seu livro Os meandros do Congresso Nacional. Mandou carta-consulta ao Supremo Tribunal Federal para saber se há alguma restrição. Ouviu, do então diretor-geral do STF, Miguel Augusto de Campos, que não. Também não havia problemas em usar as Armas ao lado do nome do Instituto de Estudos Legislativos Brasileiro (Idelb), ONG da qual Josué Ferreira é fundador e presidente.
A resposta foi semelhante ao que disse a Polícia Federal: a Lei 5.700 não restringe o uso do Brasão por particulares, desde que de forma respeitosa. O texto diz apenas onde é obrigatório o uso dos Símbolos Nacionais, como ofícios, convites e outros documentos oficiais.
Quando soube que estava sendo processado pelo uso do Brasão, Ferreira foi pesquisar. Descobriu o caso de Arnaldo Acbas de Lima, presidente da Associação Nacional de Prefeitos e Vice-Prefeitos (ANPV). Ele usou o Brasão no site de sua entidade e foi acusado pelo mesmo crime. Amparado por um parecer do Ministério da Justiça — cujo teor é semelhante ao da resposta do diretor-geral do STF —, Acbas foi inocentado no STJ. Toda a documentação do trâmite desse processo também está em poder do ex-deputado suplente Josué Ferreira.
Outro caso semelhante é o da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que usava o Brasão em guias de cobrança. Foi absolvida na Justiça do Trabalho, depois de parecer do Ministério Público do Trabalho.
Consumidor e cidadão
O fato de o Ministério Público estar tão empenhado em condenar Ferreira chama atenção. Mas não para o réu. O ex-parlamentar diz que “mexeu com o grande poder econômico”, se referindo à Telefônica e à Anatel, e causou “constrangimento” ao poder, ao mencionar o Ministério Público.
Nas cartas causadoras do périplo, Josué dos Santos Ferreira reclamou de ligações não feitas cobradas em sua conta. Ao todo, somavam cerca de R$ 1 mil. Como a Telefônica se recusou a descontar os valores cobrados indevidamente, Ferreira procurou a Anatel. A resposta foi semelhante. O ex-deputado, então, recorreu ao Ministério Público.
Reclamou que a operadora, amparada pela Anatel, fazia cobranças indevidas de seus clientes. A denúncia foi arquivada, por ser considerada de cunho pessoal. Não satisfeito, Ferreira foi à Brasília pedir à Procuradoria-Geral da República que reabrisse o processo, mostrando listas do Procon paulista confirmando as más práticas da Telefônica.
O procedimento, então, foi reaberto, e resultou numa Ação Civil Pública contra a Anatel. Foi aí, segundo Ferreira, que “egos foram feridos”. Para o ex-parlamentar suplente, como o MPF se viu obrigado a voltar atrás, decidiu punir o “responsável” por isso e abrir uma Ação Penal pouco fundamentada contra ele.
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
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