Unir forças para manter a relação entre a empresa e o empregado equilibrada. Essa é a função dos sindicatos dos trabalhadores, que diante de interesses antagônicos intercedem nas negociações pela manutenção dos direitos conquistados e a promoção de melhorias nos contratos de trabalho. Ao longo dos 70 anos da Justiça Trabalhista, comemorado nesta semana, os sindicatos tomaram corpo e ganharam força na negociação com as empresas. Mas eles ainda têm o desafio de prevenir ações individuais no Judiciário, por meio de diálogo permanente com o empregador.
"A função social do sindicato é ser a voz da categoria nas negociações entre empresa e empregado. Um papel de extrema relevância para atenuar a diferença de poder entre o lado mais forte e o mais fraco. Essa relação sempre será de conflitos porque são interesses antagônicos. Com os sindicatos, o poder dos trabalhadores aumenta e assim deixa a discussão pelos direitos em pé de igualdade." É o que afirma a desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas (TRT-15), Ana Paula Pellegrina Lockmann. Nessas negociações são "criadas" e aperfeiçoadas muitas normas trabalhistas.
No Brasil, a classe só pode ser representada por um único sindicato. "Quanto mais representativo, mais poder de barganha o sindicato tem", diz Ana Paula. Os trabalhadores que atuam diretamente prestando serviços para a população como a categoria dos bancários e metroviários sempre terá mais condições de negociar, conforme a desembargadora. "Eles mexem com a sociedade que depende do serviço", complementa.
A desembargadora destaca também que quando o sindicalismo é sério e compromissado com os interesses coletivos dos trabalhadores muda de foco em épocas de dificuldades econômicas. "Preferem a redução da jornada de trabalho à demissão em massa de trabalhadores", exemplifica. Segundo Ana Paula, a composição de conflitos nessa relação ter por objetivo a paz social e o equilíbrio. Mas, cria também obrigações e direitos de ambas as partes. Para ela, a ordem do dia é a prevenção dos conflitos.
É o que também afirma o desembargador Valdir Florindo do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-2), que atuou por 20 anos no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC: o principal objetivo do representante do trabalhador deve ser evitar litígios individuais. Florindo ressalta que a Justiça Trabalhista tem um volume grande de processos, que poderiam ter sido evitados ou, então, movidos de forma coletiva. "Precisamos prestigiar a negociação coletiva e permanente", entende.
Segundo Francisco Gonçalves Martins, advogado do sindicato dos Aeroviários, muita coisa mudou, mas as reivindicações permanecem. Ele explica que ao longo dos anos o sindicato perdeu sua característica economicista de brigar por reposições salariais e começou a postular outros direitos para os trabalhadores. "Hoje, há demandas na área da saúde que quando são colocadas na balança têm o mesmo peso que um aumento de salário", aponta. Martins afirma que a luta deve ser por benefícios sociais.
Ele explica que toda mudança nas relações de trabalhos sempre foram muito criticadas ao longo da história. Mas o que era uma reivindicação "absurda" no século passado tornou-se realidade. "Os sindicatos precisam dar o primeiro passo e não se esquecer de bandeiras importantes como a redução da jornada de trabalho", indica. Para ele, o benefício social de uma família que tem mais tempo para cuidar de seus filhos será maior, mas todos os envolvidos precisam se alinhar em um só objetivo. "Estado, empresários e sindicatos devem conversar seriamente sobre o assunto e estabelecerem o projeto Nação", assevera.
Martins diz que o maior ganho para o trabalhador é a capacidade de o sindicato representar coletivamente uma classe perante a Justiça como substituto processual. De acordo com o advogado, o trabalhador tem medo de perder o emprego se mover uma ação contra a empresa ainda estando contratado. "O sindicato como autor retira da ação contra a empresa pessoalidade do pedido. É o peso de instituição litigando contra outra", lembra.
Para Martins, os sindicatos devem ficar mais técnicos na luta por direitos e benefícios. "O trabalhador precisa mostrar porque aquele benefício é importante", diz. O advogado aposta em uma mudança de comportamento revolucionário para uma atitude propositora. "O sindicato falar para o empresário que irá fazer greve se não receber o que pediu sem argumentos fortes e técnicos é irracional", garante.
Marco legal
Longas e extenuantes jornadas de trabalho, ambientes insalubres, trabalho infantil, salários baixos e nenhum benefício. Essa era a vida dos trabalhadores das fábricas a partir do século XVIII, na Revolução Industrial. Sem uma legislação para limitar a exposição dos trabalhadores a essas condições, operários perceberam que seria necessário se unir para lutar por melhorias.
"No Brasil, a Constituição Imperial de 1824 aboliu as Corporações de Ofício e permitiu a associação de trabalhadores. Em 1870, surge a Liga Operária e dez anos depois, a União Operária. Mas, o primeiro sindicato do país nasce em 1906. Era o Sindicato dos Trabalhadores em Mármore, Pedra e Granito." É o que conta a desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas, Ana Paula. Segundo explica, antes desse período, o Brasil era basicamente rural, e é só quando os trabalhadores vão trabalhar nas cidades que as pessoas começam a interagir dessa forma.
Com o desenvolvimento de uma legislação trabalhista em 1930, somada à influência da Carta de Lavoro italiana, o país edita o Decreto 19.770/1931, a primeira lei sindical brasileira. Apesar da Constituição Federal de 1937 reconhecer o sindicato como ente representativo da força do trabalho nacional, eles ainda eram ligados ao Estado. Três anos antes, a Justiça do Trabalho havia sido instituída e os sindicatos já tinham a estrutura que conhecemos: sindicatos, federação e confederação. "A Justiça do Trabalho pertencia ao Executivo, e não ao Judiciário", lembra Ana Paula.
O divisor de águas para os sindicatos no Brasil é a Constituição Federal de 1988. Ela assegurou aos sindicatos o direito de representar os trabalhadores, fazer greves, ter trabalhadores como representantes e negociar com as empresas. "Nas ditaduras, o sindicato perde força. A partir da abertura, os sindicatos começam a ganhar força com a redemocratização do país", diz a desembargadora.
Ela destaca também a importância dos sindicatos no processo de redemocratização do país. "Eu estudava no Largo São Francisco e via as manifestações nas regiões centrais de São Paulo promovidas pelos sindicatos", rememora. De acordo com Ana Paula, os sindicatos também estavam envolvidos no movimento pelas eleições diretas. "As greves eram reprimidas e os movimentos foram um grande impulso para redemocratização. Eram muitos no Vale do Anhangabaú", afirma Ana Paula.
Os sindicatos sempre tiveram grande importância na história do país. Mas sem dúvida, o fato mais marcante foi a eleição de um líder sindical ao mais alto cargo do país. Em outubro de 2002, a população elegeu o operário Luiz Inácio Lula da Silva com mais de 60% dos votos. Quatro anos depois, ele foi reeleito, novamente por mais de 60% dos eleitores do Brasil. E foi justamente sua atuação no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo que lhe garantiu notoriedade.
Os sindicatos devem ter registro no Ministério Público do Trabalho, mas não estão sujeitos a intervenções como era antes. "O prédio do sindicato estava sob intervenção do Ministério Público do Trabalho e os diretores foram cassados, mas o sindicato dos Metalúrgicos do ABC alugou um salão em frente ao prédio, de modo a indicar que a representação continuava com o controle e união", conta o desembargador Valdir Florindo.
POR MARIANA GHIRELLO
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