quarta-feira, 4 de maio de 2011

Nova regra para prisão processual respeita o cidadão

PRISÃO X GARANTISMO

Com a vigência do Projeto de Lei 4.208/2001, que altera o Código de Processo Penal, a prisão processual estará praticamente inviablizada no Brasil. Essa é a conclusão do desembargador Fausto Martin De Sanctis, exposta em artigo publicado pelo jornal Valor Econômico desta terça-feira (3/5). Especialistas criticam o projeto que agora só depende de sanção da presidente Dilma Rousseff para ser publicado.
No texto, o desembargador diz que "a prisão estará praticamente inviabilizada no país, já que se exige a aplicação, pelo juiz, de um total de nove alternativas antes dela, restringindo-a sensivelmente. O legislador resolveu "resolver". O crime econômico e financeiro, em quase toda a sua extensão, ficou de fora. Aos olhos do legislador, o crime econômico não seria grave".
Segundo o defensor público e professor da PUC-SP, Gustavo Junqueira, "nem de longe o projeto vai inviabilizar a prisão processual no país". Ele explica que o PL prevê duas hipóteses iniciais e alternativas de cabimento desse tipo de pena: crimes dolosos punidos com pena máxima superior a quatro anos, e crimes praticados por reincidentes — já condenados por crime doloso em sentença transitada em julgado. Ou seja, "o que o projeto obsta, e tem bastante sentido em fazê-lo, é a pena preventiva a réu primário, cuja pena máxima não supera quatro anos".
O vice-presidente a Associação Nacional dos Procuradores da República, Wellington Cabral Saraiva, por sua vez, acredita que o projeto cria uma "armadilha lógica" para o MP conseguir demonstrar o cabimento da prisão processual e o juiz decretá-la, já que a defesa "sempre poderá arguir que cabia medida cautelar alternativa no caso".
Nesse sentido, o procurador alerta: "Se o Judiciário entender que o juiz deve demonstrar porque incabível a aplicação de cada medida cautelar alternativa, vai ser praticamente impossível que o juiz decrete a prisão processual e ela seja mantida, a não ser em casos muito graves, com circunstâncias muito evidentes".
Para o criminalista Celso Vilardi, o que o PL 4.208 fez foi "criar formas alternativas à prisão preventiva e dar mais possibilidades ao juiz na hora de decidir. Caso a caso, o juiz vai analisar se cabe ou não a prisão preventiva". Segundo ele, a proposta é benéfica porque, "com o sistema carcerário absolutamente lotado, sem condições de manter tantos presos, permite que a prisão seja para quem realmente precisa estar preso".
Colarinho branco
Quanto à afirmação, de De Sanctis, de que boa parte dos crimes econômicos e financeiros foram "protegidos" das prisões processuais, Vilardi relembra que a Lei 7.492/1986 foi anunciada pelo então presidente da República, José Sarney, como uma norma que nasceu precisando de atualização.
O advogado entende que várias condutas previstas na lei "poderiam ser resolvidas com a aplicação de pena alternativa e a multa. A prisão só deveria se justificar quando houver prejuízo para outras pessoas, como acontece na gestão fraudulenta, por exemplo".
Para explicar que os crimes econômicos não foram "favorecidos" pelo PL, o procurador da República e vice-presidente da ANPR Wellington Saraiva consulta a Lei 7.492 e, prontamente, cita os artigos 2°, 3° e 4°, como exemplos de crimes para cujas práticas a prisão preventiva não será proibida se o projeto entrar em vigor. Nesse sentido, observa que "a prisão ainda será possível em vários casos".
O defensor público Gustavo Junqueira concorda com Saraiva ao observar que a maior parte dos crimes dessa espécie tem pena máxima superior a quatro anos, e, portanto, são passíveis de ser apenados com prisão. O defensor nega que haja protecionismo aos crimes econômicos no projeto de lei. Para ele, o sistema em vigor já diferencia os pobres e os ricos quando, por exemplo, prevê prisão especial para quem tem melhores condições financeiras e, por outro lado, o juiz decreta prisão cautelar para quem não tem residência ou emprego fixo como forma de evitar fuga. Junqueira reconhece que "essa valoração já é feita e não muda com o projeto, já que a lei não fala sobre residência fixa", isso é fruto de interpretação.
Para o professor, longe de ser perfeito, o projeto é uma evolução no caminho de um Direito Processual Penal mais respeitoso ao cidadão. E, assim sendo, não lhe parece que vá resolver todos os problemas, e acabar com todas as críticas relativas à prisão processual como instrumento pouco democrático, inclusive por manter a decretação dela por ofício.
Nesse ponto, o vice-presidente da ANPR concorda com o defensor e critica a manutenção, pelo PL, da possibilidade de decretação de prisão preventiva por ofício. Ele entende que isso é "contrário ao princípio acusatório que a Constituição Federal pretende estabelecer no processo penal. O movimento judicial deve ser provocado pelas partes, para afastar função de acusar, que é privativa do MP (conforme artigo 129, inciso I da Constituição) e julgar".
Críticas
Quanto a outros aspectos, Saraiva acredita que "globalmente é um projeto mal feito, que decorre de uma visão paternalista do processo penal". Para explicar sua crítica, cita a medida cautelar alternativa prevista no inciso IV do artigo 319 do PL: "proibição de ausentar-se do país em qualquer infração penal para evitar fuga, ou quando a permanência seja necessária para a investigação ou instrução". Para ele, se o juiz considera que existem indícios de que o réu pretende fugir, essa medida é inútil. "Como se réu fosse criança com medo de advertência do juiz. Se há indícios, ele deve ser preso, porque a prisão é para garantir a aplicação da lei penal."
Da mesma forma, reclama do inciso VIII, que prevê pagamento de "fiança, nas infrações que admitem, para assegurar o comparecimento aos atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada a ordem judicial". Saraiva entende que se o juiz constata que o réu prejudica o andamento do processo ou que descumpriu alguma ordem anterior, deve prendê-lo. "O réu rico poderá obstruir e descumprir à vontade porque isso não lhe causara consequencias processuais. É uma verdadeira desmoralização do processo judicial."
Jurisprudência
Para a vice-presidente de Direitos Humanos da AMB (Associação dos Magistrados do Brasil), Renata Gil, o projeto está em consonância com a jurisprudência das cortes superiores, "que só destinam a prisão processual a casos graves em que a periculosidade do réu é externada por reincidência ou gravidade do delito". Nesse sentido, acredita que é a "primeira vez em que o Legislativo acompanha a jurisprudência".
De modo geral, explica que a AMB encara o projeto de forma positiva "porque sabemos que, hoje, tudo o que for substituir a prisão, especialmente cautelar, é salutar ao sistema de justiça e ao Judiciário, que está sobrecarregado". Ela deixa claro que o que se busca é uma decisão e sanção definitivas, e, por isso, a celeridade processual é uma preocupação atual. Por conta disso, "a prisão cautelar não pode ser finalidade da persecução".
Natureza prática
De acordo com Fabio Tofic, advogado criminalista e diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), é evidente que a vigência do PL não inviabilizará a prisão processual na prática, e questiona: "se uma medida alternativa é tão eficaz quanto a prisão, por que lamentar que ela não pode ser usada?".
Nesse sentido, observa que a prisão preventiva não é um fim em si mesmo, e que "lamentar que ela não possa ser usada é reconhecer que usa as medidas preventivas com caráter de pena". Para ele, "se existem alternativas que podem acautelar o processo sem a necessidade de encarceramento provisório, não há razão que justifique não usá-las".
Garantismo
Segundo o promotor de Justiça e presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, César Mattar Júnior, na prática, o PL "funcionará como garantismo às avessas. A regra passaria a ser medidas alternativas e não a prisão". Por conta disso, acredita que "caminhamos na contramão da história e do que a sociedade precisa e exige de quem esta incumbido de aplicar a justiça".
Para Mattar Júnior, o assunto ainda precisa ser debatido, mas do jeito que está, "quem perderá serão as vitimas, e o Ministério Público não pode compactuar com garantia excessiva àqueles que praticam delitos". Nesse sentido, não diferencia as consequências a crimes econômicos ou não, e considera que os delitos, no geral, terão reprimendas relativizadas.

POR GABRIELA ROCHA

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