A pandemia da Covid-19 produziu inúmeras inovações legislativas com impacto na administração pública, especialmente nas regras relativas a licitações e contratos.
Em fevereiro, foi aprovada a Lei 13.979, cujo artigo 4º dispensou a licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus. Referida dispensa é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública. Ademais, todas as contratações ou aquisições realizadas com fulcro nessa lei devem ser imediatamente disponibilizadas na internet, contendo todas as informações necessárias ao exercício do controle externo e do controle social.
No mês seguinte, foi editada a Medida Provisória 926, alterando e acrescentando dispositivos à Lei 13.979. A MP acrescentou a possibilidade da dispensa alcançar serviços de engenharia, bem como de equipamentos usados, desde que o fornecedor se responsabilize pelas plenas condições de uso e funcionamento do bem adquirido. Também permitiu a contratação de fornecedora de bens, serviços e insumos de empresas que estejam com inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou contratar com o poder público suspenso, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido.
Outra importante inovação da MP 926 foi a de que as condições caracterizadoras da emergência são presumidas, isto é, não precisam ser previamente demonstradas. Igualmente, foi dispensada a elaboração de estudos preliminares quando se tratar de bens e serviços comuns e admitida a apresentação de termo de referência ou de projeto básico simplificados.
Em situações excepcionais, devidamente justificadas, é dispensada a estimativa de preços e a apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista. Também ficou dispensada a audiência pública prevista no artigo 39 da Lei 8.666/1993.
Nos casos de licitação na modalidade pregão, eletrônico ou presencial, cujo objeto seja a aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência da Covid-19, os prazos dos procedimentos licitatórios serão reduzidos pela metade. Por sua vez, eventuais recursos aos procedimentos licitatórios não terão caráter suspensivo.
Quanto às alterações nos contratos decorrentes da Lei 13.979, a administração pública poderá prever que os contratados fiquem obrigados a aceitar, nas mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões ao objeto contratado, em até 50% do valor inicial atualizado do contrato.
A MP 926 também estabeleceu que os contratos regidos pela Lei 13.979 terão prazo de duração de até seis meses e poderão ser prorrogados por períodos sucessivos, enquanto perdurar a necessidade de enfrentamento dos efeitos da situação de emergência. Além disso, ampliou os limites para suprimentos de fundos por meio dos cartões de pagamento do governo (R$ 150 mil para obras e serviços de engenharia e R$ 80 mil nos demais casos).
Na mesma data da MP 926, foi encaminhado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 791, também alterando a Lei 13.979, e cujo artigo 7º-I cria um confuso regime de homologação de contratações federais envolvendo a AGU, a CGU, o TCU, a PGR e o STF. Dificilmente será aprovado, pois é manifestamente inconstitucional em face do artigo 71 da Carta Magna, razão pela qual sua análise não será estendida.
Em abril, editou-se nova Medida Provisória, a 951, alterando outra vez a Lei 13.979 para incluir regras específicas para aplicação do sistema de registro de preços e para suspender o transcurso dos prazos prescricionais para aplicação de sanções administrativas previstas nas leis 8.666/1993, 10.520/2002 e 12.462/2011.
Em breve síntese, são muitas as alterações em relação ao procedimento tradicional. O objetivo geral é simplificar e proporcionar maior celeridade processual para que o gestor público possa enfrentar as demandas emergenciais decorrentes da pandemia da Covid-19. A emergência, no entanto, não pode ser pretexto para a violação dos princípios constitucionais da administração pública — legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência —, nem dos que regem a execução das despesas estatais — legalidade, legitimidade e economicidade. Se o gestor improbo merece dura reprimenda em dias normais, muito mais aquele que eventualmente utilizar de forma ilícita os mecanismos excepcionais concebidos para defender a saúde e a vida dos brasileiros.
Luiz Henrique Lima é conselheiro substituto do TCE-MT, economista, doutor e mestre em Planejamento Energético, professor, palestrante e autor de diversos livros, como Controle Externo — Teoria e jurisprudência para os Tribunais de Contas (ed. Forense/Método — 8ª edição — 2019).
Fonte: CONJUR
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